Além das medalhas: urbanismo olímpico remodela cidades-sede

Enquanto os atletas competem e os espectadores se emocionam, o urbanismo olímpico transforma áreas urbanas nas cidades-sede.

Por Redação em 9 de agosto de 2024 10 minutos de leitura

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Estamos na reta final das olímpiadas. Os atletas voltam com medalhas, aprendizados e uma experiência única. E a cidade-sede? Uma narrativa silenciosa, mas profundamente impactante, se desenrola nos bastidores indicando a herança da competição para a cidade: o urbanismo olímpico. Cidades-sede como Paris não apenas sediam o evento esportivo, mas aproveitam a oportunidade para lançar projetos de infraestrutura e desenvolvimento urbano, que têm o potencial de transformar o cenário urbano e impactar a vida dos moradores, criando um legado que vai muito além das competições esportivas.

O urbanismo olímpico envolve uma série de iniciativas que abrangem desde a construção de novas arenas e vilas olímpicas até a revitalização de áreas degradadas e a melhoria de sistemas de transporte público.  Mas o legado urbano e arquitetônico dos Jogos Olímpicos não possui apenas histórias de sucesso. Os chamados “elefantes brancos” — estruturas grandiosas e dispendiosas que acabam subutilizadas ou abandonadas após o evento — também entram em campo. Exemplos emblemáticos dessa problemática podem ser vistos em várias cidades que, após o brilho inicial das competições, enfrentaram dificuldades para encontrar usos sustentáveis e economicamente viáveis para essas instalações. 

Urbanismo olímpico e o dilema das cidades-sede

A primeira Olimpíada disputada em 1896 foi um evento bem mais modesto do que é possível testemunhar hoje. Com o passar dos anos, o campeonato evoluiu para se tornar um megaevento global, experimentando uma expansão considerável. A inclusão de novos esportes, a participação de um número crescente de países e o aumento exponencial no número de atletas exigiram uma infraestrutura mais robusta e a ocupação de áreas urbanas maiores. Esse crescimento elevou as Olimpíadas a um patamar de grande escala, mas também gerou debates sobre seu verdadeiro valor para as cidades-sede.

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Estádio Panatenaico de Atenas em 1896 (Foto: Wikimedia Commons)

Alguns críticos argumentam que o investimento necessário é desproporcional aos benefícios recebidos, resultando em estruturas subutilizadas e dívidas públicas. Em contrapartida, defensores vêem a disputa global como uma oportunidade para impulsionar o desenvolvimento urbano, melhorando a infraestrutura, criando novas moradias e atraindo negócios para áreas que normalmente são negligenciadas. Essa dualidade de perspectivas destaca a complexidade e os impactos duradouros que os Jogos Olímpicos podem ter nas cidades que os acolhem.

De fato, organizar uma Olimpíada atualmente é uma tarefa desafiadora, que poucos centros urbanos podem arcar. O custo crescente do evento e os fracassos de algumas edições passadas têm desencorajado muitas cidades a entrar na disputa. Se na edição de 2008, 10 cidades lutaram para sediar os Jogos, em 2020, esse número caiu para apenas cinco.

Elefantes brancos das olimpíadas

Na dianteira dessa discussão estão as Olimpíadas de Atenas em 2004 e de Pequim em 2008. Ambas as edições criaram um legado arquitetônico que, em grande parte, se transformou em verdadeiros “elefantes brancos” – estruturas magníficas, porém subutilizadas e de alto custo de manutenção.

Quando Atenas foi escolhida para sediar os Jogos Olímpicos de 2004, havia um sentimento de retorno às origens. A Grécia investiu pesadamente na construção de novos estádios, vilas olímpicas e outras infraestruturas, buscando não apenas impressionar o mundo, mas também revitalizar a cidade e o turismo local.

No entanto, o plano inicial de manter apenas as instalações necessárias e converter as demais para uso público e privado fracassou poucos anos após os Jogos. Com a crise econômica global de 2008, a Grécia mergulhou em um colapso financeiro, deixando a manutenção dessas instalações inviável. Atualmente, muitos dos complexos esportivos de Atenas estão em estado de abandono.

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Mato crescendo em arena de Vôlei de Praia dos jogos de Atenas 2004 (Foto: Reprodução/Agência Getty Images/GE Globo)

Pequim, por sua vez, apresentou um espetáculo de inovação e grandeza em 2008. As icônicas estruturas como o Estádio Nacional, conhecido como “Ninho de Pássaro”, e o Centro Aquático Nacional, apelidado de “Cubo d’Água”, simbolizaram o avanço tecnológico e a ambição da China.

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Arena de vôlei de praia abandonada em Pequim (Foto: David Gray/Reuters/National Geographic Brasil)

Entretanto, após o encerramento das competições, essas instalações enfrentaram um destino similar ao de Atenas. Embora algumas estruturas tenham sido reutilizadas para eventos esportivos e culturais, muitas delas permanecem subutilizadas. O alto custo de manutenção e a falta de demanda contínua transformaram esses monumentos de inovação em lembretes do desafio que é manter viva a chama olímpica após a competição.

Como o urbanismo olímpico transformou desafios em oportunidades

Não é só de fracassos e despesas que se vive o urbanismo olímpico. Londres, ao sediar as Olimpíadas de 2012, trouxe uma abordagem inovadora e pragmática, focada na sustentabilidade e no uso inteligente dos recursos. O estádio Olímpico de Londres, projetado pela empresa de arquitetura Populous, exemplifica essa mentalidade. Em vez de construir uma estrutura monumental que se tornaria um fardo financeiro após os jogos, os arquitetos e planejadores optaram por um design flexível e adaptável. O estádio foi concebido com a possibilidade de redução de seu tamanho, permitindo a remoção de partes temporárias e a manutenção de um núcleo central permanente.

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Estádio Olímpico de Londres (Foto: Reprodução/Populous)

Essa abordagem permitiu que o estádio se adaptasse às necessidades pós-Olimpíadas, servindo como uma instalação funcional e útil para a comunidade local. O conceito de uma estrutura que pudesse “encolher” após o evento foi uma solução para evitar o problema do “elefante branco”. 

Além do estádio principal, outras instalações esportivas em Londres seguiram o mesmo princípio de flexibilidade e sustentabilidade. O plano diretor da Olimpíada de Londres estabeleceu que estruturas que provavelmente não teriam uso após o evento fossem construídas de forma temporária ou flexível. Isso incluiu a instalação de arquibancadas removíveis, arenas modulares e centros esportivos desmontáveis. 

Um dos grandes sucessos do plano diretor de Londres foi a criação de um legado positivo e duradouro para a comunidade local. As instalações permanentes foram projetadas para atender às necessidades da população, proporcionando espaços esportivos, recreativos e culturais que continuam a ser utilizados. 

O Parque Olímpico Rainha Elizabeth, por exemplo, foi transformado em uma área de lazer e entretenimento, com parques, centros esportivos e instalações comunitárias. Atualmente, o local recebe diversos eventos gratuitos e um observatório com tobogã. Durante o verão, eles atraem famílias e visitantes de todas as partes da cidade. 

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Essa transformação não apenas beneficiou os moradores locais, mas também atraiu turistas e investimentos para a região, impulsionando os desenvolvimentos econômico e social. A poucos metros do Parque Rainha Elizabeth, onde se encontra o Estádio Olímpico, há um vasto complexo de shopping centers e galerias comerciais em plena atividade. Além disso, vários outros empreendimentos comerciais foram construídos na área.

Vilas olímpicas: de moradia temporária a legado duradouro

As Olimpíadas são conhecidas por suas instalações esportivas imponentes e inovadoras, mas um dos legados mais significativos e duradouros do evento está fora das arenas de competição: as Vilas Olímpicas. Esses complexos habitacionais, projetados para abrigar atletas e seus funcionários durante os jogos, têm se tornado exemplos de planejamento urbano inteligente, oferecendo moradia para a população após o término das competições.

A história das Vilas Olímpicas como parte do legado urbano das Olimpíadas começou em Helsinque, em 1952. Pela primeira vez, uma vila olímpica foi projetada com a intenção de ser convertida em habitação após o evento. Essa visão pioneira estabeleceu um padrão que seria seguido por quase todas as edições subsequentes dos jogos.

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Entrada da Vila Olímpica dos jogos Olímpicos de Helsinki em 1952 (Foto: Reprodução/Arquivo Público do Paraná)

A Olimpíada de Atlanta, em 1996, trouxe uma solução inovadora ao construir moradias para atletas no campus do Instituto de Tecnologia da Geórgia. Após os jogos, essas acomodações foram convertidas em moradias estudantis, proporcionando uma solução prática e sustentável para a infraestrutura temporária. 

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Centro Aquático do Instituto de Tecnologia da Geórgia (Foto: Wikimedia Commons)

Sydney, em 2000, deu um passo adiante ao projetar uma vila olímpica que se transformaria em um subúrbio residencial completo. Durante os jogos, o local foi temporariamente convertido em acomodações para atletas. Após o evento, as unidades habitacionais foram concluídas e o bairro se tornou uma área muito procurada.

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Vila dos Atletas Olímpicos para os jogos de Sydney 2000 (Foto: Reprodução/Order Architects)

Ilha Pura: de Vila Olímpica a novo polo residencial do Rio

A Vila Olímpica do Rio de Janeiro, que recebeu atletas de todo o mundo durante os Jogos Olímpicos de 2016, não fica de fora desse padrão. Agora chamada de Ilha Pura, a área se tornou um complexo residencial e de lazer, que atrai cada vez mais moradores. Com mais de 70 mil metros quadrados de área de lazer, Ilha Pura oferece uma vasta gama de atividades para seus residentes. Entre os atrativos estão quadras esportivas, pista de skate, parques e áreas verdes, proporcionando um ambiente saudável e ativo para todas as idades. 

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Foto: Divulgação

No contexto imobiliário, Ilha Pura tem se destacado. Dados do Secovi-Rio mostram que as vendas de unidades mais que dobraram em janeiro de 2024 em comparação ao mesmo período de 2019, alcançando 775 unidades vendidas. Até o momento, foram vendidas 2.845 unidades. Apesar de esse número ainda estar abaixo em comparação às 3.600 unidades planejadas para o período pós-Rio 2016, há uma tendência de melhora de acordo com o vice-presidente da entidade, Leonardo Schneider.

Rio 2016: transformações urbanas além dos estádios e ginásios

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Foto: Reprodução/Visit Rio

O urbanismo olímpico vai muito além de melhorias em áreas específicas, já que frequentemente repercute por toda a cidade. Quando uma cidade é escolhida para sediar os Jogos Olímpicos, os anfitriões costumam usar a oportunidade para promover mudanças profundas nas estruturas e infraestruturas urbanas. Essas transformações não se restringem a um único distrito, mas se estendem para remodelar bairros inteiros, revitalizar áreas subdesenvolvidas e impulsionar o desenvolvimento urbano em grande escala. 

De acordo com o artigo Olympic Urbanismo: Past, Present and Future, escrito pelos arquitetos Andrew Smith, John R. Golde e Margaret M. Gold, os Jogos Olímpicos têm o poder de desbloquear financiamento estatal e criar a vontade política necessária para realizar grandes projetos, mesmo que essas mudanças não estejam diretamente ligadas ao evento. Esse período de “oportunidade limitada” permite que a cidade avance em projetos importantes de infraestrutura, como transporte, telecomunicações, esgoto e habitação, mesmo que esses projetos não sejam essenciais para os jogos em si.

O Rio de Janeiro é um exemplo disso. O estudo “Legado dos Jogos Olímpicos Rio 2016: Impactos Econômicos“, da Fundação Getulio Vargas (FGV), divulgado neste mês, revelou que os projetos viabilizados pelo evento foram indutores de atividade econômica, gerando um impacto significativo no município do Rio de Janeiro. Até hoje, os jogos resultaram em um acréscimo de R$ 99 bilhões no Valor Bruto da Produção (VBP). Deste montante, R$ 51,2 bilhões foram adicionados ao PIB; a arrecadação de impostos aumentou em R$ 5,3 bilhões e houve um impacto de R$ 36,2 bilhões na renda das famílias. 

Os Jogos Olímpicos de 2016 deixaram um legado significativo em diversas áreas da cidade do Rio de Janeiro, abrangendo infraestrutura, serviços, transportes, meio ambiente, educação e esportes. O estudo da FGV considerou tanto os projetos concluídos até 2016 quanto aqueles que foram ampliados ou retomados após o evento. Entre os projetos concluídos antes do campeonato, destacam-se a primeira fase das obras do Porto Maravilha, incluindo a derrubada da Perimetral, a criação de novos túneis, o Boulevard Olímpico e a construção do Museu de Arte do Rio e do Museu do Amanhã. No campo da mobilidade urbana, foram implementados os BRTs Transoeste, Transcarioca e Transolímpica, o Veículo Leve sobre Trilhos (VLT) e a linha 4 do Metrô. 

No período pós-Olimpíadas, houve o reaproveitamento de várias instalações olímpicas: a Arena do Futuro foi transformada em quatro escolas, a Arena 3 se tornou o Ginásio Educacional Olímpico Isabel Salgado e a Via Olímpica foi convertida no Parque Rita Lee. Essas iniciativas não apenas melhoraram a infraestrutura e os serviços da cidade, mas também promoveram desenvolvimentos social e econômico, deixando um impacto duradouro na vida dos cariocas.

O renascimento do Sena

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Em meio aos eventos dos Jogos Olímpicos de 2024 em Paris, um desafio de décadas está se destacando: a (des)poluição do Rio Sena, que atravessa o coração da cidade. A revitalização é um processo amplo, que já permitiu que a cerimônia de abertura dos Jogos envolvesse esse importante símbolo da cidade – uma frota de 160 barcos transportou 10 mil atletas ao longo de 6 km do rio, culminando na icônica Torre Eiffel.

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Além disso, o Rio Sena sediou três eventos esportivos: Triatlo, Maratona Aquática e, em breve, Paratriatlo. No entanto, os níveis de poluição acima do ideal roubaram a cena e provocaram o adiamento das provas de triatlo. Novos episódios evidenciaram a complexidade de despoluir um rio em uma grande área urbana: a recente confirmação de que alguns atletas participantes contraíram infecção intestinal, atribuída a um vírus de coliformes fecais, após nadarem no local confirma isso.

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A jornada para tornar o Sena limpo para essas competições e para a cerimônia de abertura tem sido longa e cara. Foram mais de 1,4 bilhões de euros em investimentos em estações de tratamento de água e esgoto. “O Sena é um ícone de Paris. Compõe a paisagem da cidade, revela aspectos históricos e culturais, além de ser um importante canal de transporte. Pela relevância da cidade no mundo, campeã do turismo global, é extremamente simbólico a despoluição do Sena e o impacto que isso gera localmente, sendo uma nova possibilidade de lazer e bem-estar, e especialmente para o mundo, para que o mesmo investimento aconteça em outras cidades”, disse Saville Alves a cofundadora da Solos, startup de impacto que tem transformado a economia circular.

O sucesso das ações desencadeadas, aceleradas e planejadas a partir das necessidades que os Jogos Olímpicos demandam, depende da flexibilidade, da criatividade, da consistência do planejamento e, principalmente, da conexão das ações com os objetivos macros e de longo prazo da cidade, além de levar em consideração como ponto de partida o perfil do local e as necessidades das pessoas. Mais que isso: depende de continuidade para que a tocha permanece acesa!

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