Sonia Guimarães: o futuro da ciência é ancestral e africano
Pioneira da física no Brasil, Sônia Guimarães vai dos Ifás ao ITA para falar sobre inovação e tecnologia. Confira entrevista exclusiva!
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Camila de Lira em 27 de março de 2022 4minutos de leitura
A palavra “pioneiro” nos remete a uma pessoa que chegou primeiro em um espaço ou dominou primeiro um assunto. Independentemente da flexão do substantivo, geralmente, essa pessoa é um homem. Até mesmo no dicionário, a descrição de pioneiro é “aqueles que entram e colonizam regiões desconhecidas”. Mas e se o pioneirismo não tiver essa cara? E se o pioneiro for, na verdade, uma pioneira? Uma mulher negra? Que abre caminhos para outras pessoas, em vez de apenas fincar a bandeira? Que aprende com a ancestralidade ao invés de colonizá-la? Que serve não só de exemplo, como também de guia? No Brasil, o pioneirismo na ciência tem essa face: Sonia Guimarães.
Sônia Guimaraẽs: biografia da professora negra do Instituto Tecnológico de Aeronáutica
Sonia foi a primeira mulher negra a obter PhD – Philosophy Doctor, ou seja, doutorado obtido na Inglaterra. Antes disso, se tornou mestre em física aplicada no Brasil, pela Universidade de São Paulo. Além disso, foi a primeira mulher negra a ser professora do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) e a primeira mulher a dar aulas no Departamento de Física do ITA. Ambos, em datas mais recentes do que muitos imaginam: 1988 e 1993, respectivamente.
Sônia também é conselheira do Conselho Municipal Para a Promoção de Igualdade Racial (COMPIR), da prefeitura de São José dos Campos (SP) e mantenedora da Universidade Zumbi dos Palmares (SP).
A cientista é especializada em semicondutores, partículas que são a base dos smartphones e do que conhecemos por computação pessoal, além de diversos materiais eletrônicos e até insumo importante da indústria automotiva. Ela faz questão de ser mentora de alunos e alunas negras de várias escolas pelo Brasil todo, além de fazer parte de coletivos e organizações para aumentar a presença de mulheres negras na ciência, com ações afirmativas sobre igualdade racial. Conheça a seguir um pouco mais sobre a biografia e formação dessa profissional e mulher, que também é uma das curadoras do primeiro Prêmio Habitability, que foi realizado em 3 de novembro de 2022.
Veja também o episódio 17 do podcast Habitability:
O futuro é para todos
“O futuro vai ser maravilhoso, uma vez que aqueles que estão no poder comecem a se preocupar com ele”, disse Sonia em entrevista ao Habitability. Segundo ela, não haverá futuro sem inclusão social. Um exemplo são os carros elétricos, que, apesar de já existirem, ainda são inacessíveis à população. “Não haverá uma troca do sistema de combustão para o sistema elétrico nos carros se as pessoas não tiverem condições para comprar os veículos”, aponta a professora. As inovações tecnológicas, acrescenta Sonia, precisam chegar a todos os espaços brasileiros. “Não só em São Paulo e no Rio de Janeiro”, brinca a pesquisadora.
A especialista em semicondutores explica que já existem trabalhos para testar células de captação de energia solar cada vez menores, o que significa que estamos próximos de ter aparelhos movidos a energia solar. Mas para a ciência chegar às pessoas, ela precisa deixar de ser feita apenas pelo mesmo grupo. O que está mudando – “ao passo de formiguinha” – mas está. Em 1993, quando a cientista virou professora do ITA, não havia alunas mulheres. O Instituto só permitiu que mulheres fizessem vestibular para ingresso em 1996.
Meninas negras também devem ter espaço na ciência
Por isso, Sônia está na linha de frente para absorver o quanto mais de mulheres – e negras – para ciência e para a área de exatas conseguir. “O que eu falo em todas as palestras de incentivo para as meninas, porque eu quero que elas venham para exatas, é: ‘apesar de tudo que passei, olha onde eu cheguei. E vocês podem chegar também’.
A luta “é para sempre”, diz Sonia, mas, aos poucos, já está fazendo a diferença. “No ano passado, uma mulher negra entrou no ITA e ligou para mim. Falou que entrou porque eu tinha falado que ela podia chegar lá”, diz ela, orgulhosa. O pioneirismo é feito disso também: esperança!
Do guia para os guias
Na arquitetura e no design, o afrofuturismo é tendência. Para Sonia, no entanto, o que deveria ser tendência é a redescoberta dos conhecimentos africanos ancestrais.
“Os códigos de computação começaram na África, com os Ifás, os Orixás e toda a forma de viver africana. Tudo são códigos, que te dizem o que vai acontecer. E os africanos viam isso há 6 mil anos. Eles já tinham esse conhecimento. Eles não tinham computador, mas sabiam escrever códigos para ter resultado na vida. É lindíssimo”, diz Sonia, com entusiasmo. A professora se aprofundou na pesquisa dos Ifás – os sistemas de adivinhação sagrada dos Yorubás – e ali encontrou um mar de conhecimento sobre a natureza, química e física. Tais códigos foram ensinados pelo muçulmanos aoseuropeus que, depois, transformaram esse pensamento no que se entende hoje por matemática boleana.
Um exemplo que a pesquisadora dá é sobre a teoria da relatividade. “Exu disse: eu matei amanhã o pássaro que vi ontem, que é exatamente todo o paradoxo da teoria da relatividade, de Einstein”, aponta ela. “Há escritos, de 7 mil anos, em que eles já falavam que não existe corpo sem movimento. Essa é a primeira lei de Newton”, acrescenta a cientista.
Igualdade racial: a área de exatas surgiu na África
Descolonizar as ciências significa entender que os saberes que são replicados no mundo acadêmico vieram de outros espaços que não a Europa e os Estados Unidos.“Os gregos iam estudar na África. Foi na África que surgiu a primeira biblioteca da história. A primeira Universidade do mundo não fica em Bolonha, mas em Timbuktu [no Mali], no meio da África”, aponta Sonia. Algumas pesquisas mostram, inclusive, que a primeira Universidade do mundo foi levantada em Marrocos, por uma mulher, 859 anos depois de Cristo.
Para ela, essa ação tem tudo a ver com o incentivo para a entrada de negros e negras nos cursos de exatas e de ciências. “Já escutei alunos dizendo que professores do ensino fundamental falavam para eles que matemática e exatas não eram matérias para negros. Que negros nunca iam entender, que iam se ferrar em matemática. Mas a matemática e a física surgiram na África”, finaliza Sonia Guimarães.
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