Casa do futuro, demandas do presente

Tendências das casas do futuro reconfiguram soluções oferecidas pelos setores de construção, arquitetura e decoração.

Por Ana Cecília Panizza em 30 de julho de 2024 6 minutos de leitura

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Imagem gerada por Inteligência Artificial

Saúde, bem-estar, seguranças física e psicológica. Essa foi a resposta dada por três em cada quatro entrevistados em pesquisa realizada, em março de 2024, pelo coletivo The Weber Shandwick – rede de comunicação e consultoria que mapeou as prioridades de cinco mil pessoas na América do Norte, na Europa e na Ásia. Segundo o estudo, essa resposta ocupa o espaço que pertencia à seguinte tríade: casar, ter filhos e ter um emprego cobiçado. Isso reflete o ressignificado do que é mais relevante para a existência das pessoas. 

Enquanto atributos como status e ascensão social perderam força, garantir o autocuidado e tratar bem o outro para ser bem tratado tiveram ascensão. A busca pelo bem-estar amplo (físico, mental, social) está em alta e a população preza por isso em diferentes momentos da vida, como aceitar empregos – ou permanecer neles – e alugar, comprar ou construir uma casa. Por isso, os espaços domésticos precisam ser propícios para as pessoas se cuidarem e representar um lugar tranquilo e reconfortante para aplacar a ansiedade e o estresse do dia a dia. Bem-estar amplo é uma das tendências das casas do futuro, ao lado de outras como tecnologia, sustentabilidade, flexibilidade e acessibilidade, como mapeou o estudo Futuro do Morar, realizado pela empresa de análise de tendências Spark:off sob encomenda da Dexco. Um cenário que impulsiona a reinvenção de setores como os da construção, da arquitetura, da reforma e da decoração em busca de oferecer soluções e produtos sintonizados e que componham a casa ideal no futuro. 

Casa do futuro tem tecnologia como um dos pilares

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No contexto da casa do futuro, a tecnologia é vista como ferramenta para agregar praticidade, conforto, segurança e qualidade de vida, mas também pode ajudar em outros aspectos, como em outros três pontos destacados como prioridade: a sustentabilidade, a flexibilidade e a acessibilidade. 

A sustentabilidade pode estar no projeto de uma casa. Por exemplo, com um layout que priorize a iluminação natural, que contemple sistemas de captação e reaproveitamento da água da chuva e de um cinturão de água quente, que permite aquecimento contínuo da água do chuveiro e das torneiras, evitando desperdício; ou que preveja materiais construtivos sustentáveis, sejam em sua concepção – concreto a base de açúcar, concreto com pó de café adicionado, feito com palha de arroz, a partir de pneus velhos, tijolos de fungos e até tipos de bioconcretos – sejam por serem oriundos das proximidades do local de construção, o que reduz sua pegada de carbono, como ensina a arquitetura vernacular e os saberes ancestrais. Pode estar ainda no processo produtivo, como a construção modular.

As que já estão de pé podem se beneficiar de outras soluções, como equipamentos, a exemplo de painéis solares, e materiais eco-friendly, como torneiras e chuveiros que economizam o máximo possível de energia e água. 

Para a arquiteta, urbanista e pesquisadora Claudia Pezzuto, a sustentabilidade é uma das mais relevantes tendências da casa do futuro. “A busca por técnicas sustentáveis é uma demanda urgente por conta dos impactos das mudanças climáticas. Nesse sentido, há também uma crescente demanda por avanços tecnológicos e pesquisas científicas voltadas para a eficiência de técnicas passivas, ativas e inteligentes”, diz Claudia, que é professora nas Faculdades de Arquitetura e Urbanismo e Engenharia Civil da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de Campinas/SP. Como professora que leciona sobre conforto ambiental térmico, acústico e lumínico, além de desenho e modelagem da construção, Claudia realiza também pesquisas focadas no delineamento de estratégias de adaptação e mitigação das cidades frente às mudanças climáticas. 

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Ela explica que a fase de concepção do projeto é a mais indicada para adoção das chamadas técnicas passivas, que são as estratégias sustentáveis ou bioclimáticas. “Além de considerar as variáveis ambientais do local do projeto, as estratégias passivas consideram parâmetros como ventilação e iluminação naturais, escolha adequada dos materiais da envoltória da edificação (paredes e cobertura), considerando o desempenho térmico dos materiais adotados, a orientação do edifício em relação à insolação, a porcentagem de áreas transparentes, entre outros requisitos”. 

Já as técnicas ativas, segundo Claudia, utilizam mecanismos mecânicos ou elétricos para aquecimento ou resfriamento da edificação, além de sistemas ou dispositivos que consomem ou geram eletricidade, como painéis solares fotovoltaicos e técnicas inteligentes como aplicação de tecnologias de inteligência artificial. “É importante adotar de forma consciente e sustentável a combinação de estratégias para minimizar o consumo de energia, mitigar a emissão de gases de efeito estufa e melhorar o conforto térmico da edificação”, salienta a arquiteta. 

Diversidade 

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A flexibilidade se traduz em espaços dinâmicos, com áreas multifuncionais, garantidos por projetos capazes de transformar e adequar ambientes para satisfazer diferentes propósitos do morador ao longo do dia (trabalhar, estudar, descansar, receber visitas) – e dos anos. Assim, os projetos visam a adaptabilidade por meio de móveis multifuncionais, versáteis e modulares, com alturas reguláveis, que permitam ajustes ergonômicos para atender pessoas de idades e necessidades diferentes, o que está diretamente ligado à acessibilidade, outra demanda da casa do futuro impulsionada pelo envelhecimento da população. 

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Segundo o último Censo do IBGE, divulgado em 2022, o número de idosos no Brasil cresceu 57,4% em 12 anos. Em 2022, o universo de pessoas com 65 anos ou mais somava 10,9% da população, ante 7,4%, em 2010. Diante desse cenário, a casa precisa ser acessível a todos e abarcar a inclusão por meio da utilização de elementos de design que atendem a diversas necessidades e garantam que a residência se adapte ao longo do tempo – e não só para idosos, mas para qualquer pessoa com mobilidade reduzida. Alguns exemplos são barras de acessibilidade com cores e designs variados e móveis ergonômicos. Uma demanda que pode receber contribuições da geroarquitetura, modalidade que planeja espaços com foco na longevidade e na promoção do bem-estar de todos em qualquer idade por meio de espaços que interagem entre si e promovem meios para que as pessoas se encontrem e vivam bem juntas. Esse tipo de espaço conta, por exemplo, com escadas maiores e elevadores, e privilegiam o uso do térreo para moradias e lugares de uso coletivo. 

A geroarquitetura absorve conceitos da neuroarquitetura para criar espaços confortáveis, práticos, funcionais e bonitos para os idosos, com base em três fundamentos: bem-estar, autonomia e flexibilidade. São locais que estimulam a mobilidade, a autonomia e a independência dos ocupantes, enquanto eles envelhecem.  

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A casa do futuro flexível, multifuncional e com acessibilidade garante também a diversidade de configurações das famílias, atendendo quem vive sozinho e quem mora com pessoas de gerações diferentes da sua. Por isso, as residências precisam oferecer equilíbrio entre o social e o privado, com ambientes que promovam o convívio entre todos os integrantes da casa, acompanhando o avanço dos lares multigeracionais, mas com respeito aos universos particulares, afinal, como mostrou o estudo, entre 2012 e 2022, o número de pessoas entre 25 e 34 anos que não saiu de casa aumentou 137% nos Estados Unidos, uma tendência global, consequência de dificuldades econômicas e questões de conveniência, amplificada pela pandemia da Covid-19.  

Também precisa estar no radar de arquitetos e construtores da casa do futuro abrigar famílias multiespécies, que são aquelas formadas pelo núcleo familiar humano em convivência compartilhada com seus animais de estimação. Nessa modalidade, os pets são considerados membros da família.

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Alinhada à sustentabilidade, a adaptação de imóveis geram impactos positivos com efeito cascata sobre as cidades. Flexibilidade, portanto, também implica sustentabilidade quando aplicada em contextos mais amplos. Espaços de escritórios em desuso podem ser transformados em moradia, por exemplo, como vem ocorrendo nos Estados Unidos, contribuindo para superar o desafio do déficit habitacional e ampliar o ciclo de vida dos empreendimentos. 

Bem-estar amplo

O bem-estar amplo dentro de casa pode se manifestar de diferentes formas, desde a garantia da própria acessibilidade até o respeito às particularidades de cada membro. A tecnologia, mais uma vez, é uma aliada.

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Espelho inteligente BMind (Foto: Divulgação/Baracoda)

Um exemplo é o espelho inteligente BMind, desenvolvido pela startup francesa Baracoda para incentivar e monitorar o bem-estar mental e o gerenciamento do estresse do usuário. A primeira versão do espelho inteligente tem um recurso de análise de cuidados que informa quais produtos o indivíduo deve usar e como aplicá-los, além de dar dicas sobre cuidados com a pele. A nova versão do produto, apresentada na feira de tecnologia CES 2024 (Consumer Electronics Show), em janeiro deste ano em Las Vegas, Estados Unidos, oferece checkin para rotina de cuidados com ajuda de uma assistente de voz com IA (inteligência artificial). Para isso, o BMind pergunta como a pessoa está se sentindo. A depender da resposta, a IA indica uma atividade como “fechar os olhos e pensar em um momento do dia que o deixou feliz”. O usuário também consegue interagir com o espelho por voz e gestos com as mãos, sem precisar tocar no vidro. O BMind oferece meditações guiadas de acordo com o humor do usuário, com dicas para desacelerar a respiração. Também é possível perguntar para o espelho praticamente qualquer coisa: previsão do tempo, horas.

Assim, a casa (e as cidades) tem sido – e continuará a ser – ressignificada. Passam a atender novos desejos, demandas e necessidades quanto a design, hospitalidade, conforto, bem-estar, sustentabilidade e entretenimento. Requerem, desta forma, tecnologia para soluções inteligentes e mais conectividade. Tudo em prol de uma conexão mais ampla e profunda: a das pessoas consigo mesmas e com seus pares.