E se morássemos todos perto? Urbanista reimagina cidades com cohousing

Arquiteta e urbanista Lilian Lubochinski fala sobre uma nova perspectiva para a vida nas cidades: o cohousing.

Por Redação em 19 de setembro de 2023 4 minutos de leitura

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Foto: Divulgação

Moradias compartilhadas, como os colivings, estão no futuro das cidades. E podem fazer muito bem para a população brasileira que passa por uma mudança na pirâmide etária. É o que acredita a arquiteta e urbanista, especialista em projetos de condomínios para idosos, Lilian Avivia Lobochinski. 

A arquiteta é adepta do conceito de cohousing – uma atualização da ideia de uma vila de pessoas em torno de um espaço compartilhado. “O cohousing é uma solução ideal que significa morar perto um dos outros para nos cuidar mutuamente”, explica Lilian.

Diferentemente do coliving, que é uma experiência em que pessoas compartilham a mesma casa, o cohousing mantém as casas particulares, mas com alguns espaços, como a cozinha e o ambiente de refeições, coletivos. O que pode facilitar até o cuidado desses ambientes de uma forma mais prática, como destaca Lilian. 

O ambiente é familiar porque se aproxima muito a uma convivência entre aqueles que se conhecem e cuidam um dos outros. Com um detalhe nada desprezível quando se trata do futuro: as famílias brasileiras diminuíram de tamanho. Se antes tinham três filhos em média, os dados mais atualizados do IBGE já indicam que, agora, a média é de uma criança por casa. Combinado à longevidade da população, isso traz um desafio para a moradia daqueles que chegam a uma idade em que precisam de mais cuidados e atenção.

Para Lilian, o crescimento dos espaços de cohousing é uma saída, pois aproxima as pessoas e deixa a cidade menos solitária para os mais velhos. Pesquisa publicada pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) mostrou que a depressão é quatro vezes mais comum entre idosos que se sentem sempre sozinhos. O risco de desenvolver a doença dobra quando eles moram sozinhos. “Existe um desejo de recuperar uma dimensão mais colaborativa e amiga da cidade”, fala a arquiteta.

Cohousing é de todos

Lilian foi a primeira arquiteta do Brasil a abordar o tema de soluções espaciais para o envelhecimento, em 1988. Para ela, o espaço para a população idosa deve privilegiar a interação social, a convivência e a troca de ideias. Mas não pode deixar a autonomia individual de lado. Por isso a ideia do cohousing.

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“Em primeiro lugar, os idosos podem cuidar de si mesmos. Em segundo, eles conseguem ajudar a cuidar dos outros. E, em terceiro lugar, pode ser um espaço mais fácil para os familiares mais novos irem visitar”, indica. 

A combinação é entre privacidade e convivência do modelo não é só positiva para a população com mais de 70 anos de idade, mas para crianças, que podem crescer convivendo com todas as gerações. A comunidade também pode apoiar a educação e a criação dos pequenos. “É uma estrutura de comunidade multigeracionais”, explica a urbanista. 

O formato ainda é positivo para mães solo, que precisam equilibrar o cuidado do filho e o trabalho. Lilian conta sobre as experiências de vilas comunitárias criadas na década de 1930 nos países nórdicos. Por lá, a crise econômica da época forçou a entrada das mulheres no mercado de trabalho. O resultado foi a criação de coletivos de casas comunitárias, onde havia creche para cuidar das crianças, escola e cozinha compartilhada. “A comunidade atendia a função do cuidado que sempre foi renegada somente à mulher”, conta. 

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Por ser um ambiente pensado para a acessibilidade de idosos, teria segurança para crianças também. “É uma grande alegria crescer onde as crianças estão seguras para brincar com outras e correr a vontade”.

A inspiração de Lilian foi a experiência que teve morando em um kibutz, em Israel. O kibutz é um agrupamento de pessoas que vivem em espaços coletivos, normalmente de produção agrícola, onde a vida é compartilhada. “A cidade cresceu e perdeu a dimensão comunitária. Mas a vida comunitária é um caminho possível”, acrescenta ela.

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Kibutz (Foto: Reprodução/Amazônia Latitude)

Compartilhar o morar, vidas e um futuro mais sustentável

Além das dimensões social e de saúde, há também o impacto positivo na dimensão ambiental. Ambientes coletivos tendem a ocupar o espaço de maneira mais eficiente do que moradias individuais e separadas. “Não precisa cada um ter uma máquina de lavar, um carro, isso pode ser compartilhado e usado por todos”, comenta ela referindo-se a novas maneiras de consumir.

A relação com a alimentação e o uso de recursos naturais também é diferente no cohousing, já que é necessária uma cultura de preservar e não desperdiçar. 

“A gente vive em um mundo onde o individualismo se fortaleceu de maneira muito acirrada. Temos que passar uma transformação subjetiva, aceitar o novo e entender que viver em comunidades não significa abrir mão da identidade”, diz. Ao mesmo tempo, “falo de recriar a maneira de ocupar o território nesse planeta, uma maneira onde é possível uma relação mais amorosa com o nosso planeta e com as pessoas. Uma relação que não é destruição, mas de construção”, finaliza.