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O que faremos para Petrópolis e São Sebastião não virarem rotina?
Emergência climática exige nova estrutura política das cidades e dos Estados, indicam especialistas brasileiros.
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Redação em 6 de março de 2023 4minutos de leitura
A quantidade de chuva prevista para um mês cai em 24 horas. Depois de tanta água, vem a lama, os desabrigados e os mortos. São perdas incontáveis e irrecuperáveis, principalmente porque tais eventos, que eram para serem exceções, se tornam a regra. Só nos últimos três anos, no Brasil, esse mesmo cenário aconteceu em Petrópolis (RJ), no Sul da Bahia e no litoral Norte de São Paulo. Isso sem contar com os ciclones tropicais em Santa Catarina.
Em um mundo marcado pela emergência climática, como as cidades podem se preparar para não desamparar a população?
“A loteria que a emergência climática nos coloca, de ter esses eventos ‘do século’ se repetindo todos os anos, mostra que precisamos trabalhar com isso, viver com isso. E saber que estamos vivendo em um mundo de extremos climáticos”, aponta Rodrigo Corradi, secretário-executivo adjunto do ICLEI na América do Sul. E conviver com este cenário exige ações urgentes, não só na previsão, mas também no planejamento.
Na verdade, é mais uma questão de repensar a estrutura de tudo que forma a cidade do que apenas se preparar para as chuvas em cada estação. Para o arquiteto e urbanista, e ex-secretário de planejamento urbano do Rio de Janeiro, Washington Fajardo, é impossível deixar a conversa sobre a política de habitação de lado quando falamos de meio ambiente. “O tema da habitação é o que forma uma nação”, compara Fajardo. Isso significa que para remodelar as cidades e as habitações, é preciso alterar a raiz do que fazemos.
O novo normal não é normal
Um ponto que precisa ser ressaltado é que, de fato, as chuvas que aconteceram no começo deste ano em São Sebastião (SP) estavam longe de serem comuns. Em apenas 24 horas, foram 680 milímetros de tempestade que atingiram a região. Em Petrópolis, foram 534.4 milímetros.
Corradi usa o exemplo de Roterdã. A cidade holandesa foi uma das pioneiras a sistematizar piscinas de contenção de água, para evitar enchentes. “Conversei com o diretor de resiliência de Roterdã, que foi responsável por esse projeto, que falou que, se em uma tarde, chove mais de 70 milímetros, não existe plano que não deixe a cidade minimamente em convulsão”, conta o secretário-adjunto do ICLEI.
Isso não significa, no entanto, que as pessoas precisarão sofrer da forma que estão no Brasil.
Os eventos climáticos extremos ressaltam o que as cidades já têm de falhas, como os gargalos de infraestrutura, a informalidade urbana e a desigualdade social. “O extremo climático ataca a todos, mas atinge de maneira desproporcional os mais pobres e desfavorecidos”, diz Rodrigo.
Equilíbrio de poderes e capacidades
E é neste momento que entram as mudanças políticas, para garantir moradia digna e fora das áreas de maior risco para todos, com foco nos cidadãos que estão mais vulneráveis aos maiores impactos das enchentes, ventos e ciclones. “Não há nenhuma maneira de uma família de renda baixa ter moradia digna se não houver política pública. Em nenhum lugar do planeta isso aconteceu, o mercado não consegue resolver para todos”, disse Fajardo.
Infelizmente, segundo Fajardo, “as políticas habitacionais não são prioridade dentro das áreas urbanas”. Em parte, diz o urbanista, por conta dos limites orçamentários e de pessoal dos municípios menores. “A ideia de que cidades pequenas, como São Sebastião, consigam ter super capacidade institucional para colocar um plano diretor de pé, é muito irreal”, disse Fajardo.
Menos de 60% dos municípios brasileiros têm plano diretor, apesar da exigência do Estatuto das Cidades. O urbanista indica que a continuidade de políticas habitacionais, que dependem de planos de décadas, brigam com as agendas municipais. “Deveria existir uma ajuda de governos estaduais, uma coordenação nacional para apoiar a reestruturação das cidades. Como uma agência nacional de urbanização, ajudando os governos estaduais a promover a formação de consórcios entre os municípios para viabilizar os planos diretores”, fala o ex-secretário de planejamento urbano do município do Rio de Janeiro.
Ações nacionais com ativação municipal já fazem sucesso no Brasil, como é o caso do Minha Casa, Minha Vida. “Para ter a capacidade de implementação de políticas públicas em larga escala, é preciso um processo federativo. Os Estados dão a capacidade técnica, mas os municípios precisam finalizar”, fala Corradi, do ICLEI.
Em outras palavras, explica Coradi, só uma camada não conseguirá promover a mudança territorial das pessoas que vivem em áreas de risco. Precisará de uma coordenação e incentivos dos outros governos e demais atores do setor, mas serão os municípios que vão, de fato, colocar a mão na massa no final das contas.
Não pode se repetir
Atualmente, cerca de 9,5 milhões de brasileiros moram em áreas de risco sujeitas a deslizamentos de terra, enchentes e outros desastres climáticos. “O que precisamos fazer em termos de normativas é começar a apertar as regras de maneira coordenada. Precisaria, por exemplo, limitar a transferência federal financeira, de repasses para programas de moradia, para os municípios que não tivessem planos para a retirada das pessoas em caso de enchentes”, disse Corradi.
Não há uma solução única para os desafios da adaptação climática. Corradi lembra também das estratégias locais, como a criação de espaços de emergência para as pessoas, capacitação da comunidade para entender o que fazer em caso de chuvas intensas e a instalação de sistemas de alerta para as pessoas.
“A chuva é inevitável, as mortes são evitáveis a partir do planejamento urbano pensado em infraestruturas adaptadas ao volume de chuvas”, fala Corradi. “É um problema sistêmico, não tem uma solução a curto prazo”, finaliza Fajardo.
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