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Empresas são um ator-chave para cidades sustentáveis, diz CEO do Pacto Global da ONU
Carlo Pereira, CEO do Pacto Global da ONU Brasil, fala sobre os ODSs e como o Brasil se encaixa neles.
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Camila de Lira em 24 de abril de 2023 7minutos de leitura
Carlos Pereira- Diretor executivo da rede Brasil
A cidade sustentável do futuro não é um ambiente simples. E está longe de ser o trabalho de apenas um setor atingir esse objetivo. É o que afirma o CEO do Pacto Global da ONU no Brasil, Carlo Pereira, em entrevista exclusiva ao portal Habitability.
“As empresas são um ator-chave na criação de cidades sustentáveis e na promoção do desenvolvimento sustentável como um todo e podem contribuir em diversas frentes e setores”, diz Pereira. O Pacto Global é uma plataforma que reúne o setor empresarial em torno dos princípios de sustentabilidade e dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU).
Pereira é otimista e vê que, com esforço coletivo, é possível chegar “a 2030 em uma situação melhor do que a atual”. No bate-papo que você confere a seguir, o executivo fala sobre as suas visões da cidade ideal e dos caminhos para se chegar no espaço urbano sustentável.
Como as cidades podem se tornar mais resilientes, tendo em vista os eventos climáticos cada vez mais recorrentes?
Carlo Pereira – Em um clima em mudança, se faz cada vez mais necessário adotar medidas para tornar as cidades mais resilientes diante de eventos climáticos extremos. É importante ressaltar que ações coordenadas de governos, empresas e sociedade civil são fundamentais para enfrentar os desafios climáticos e garantir a segurança e o bem-estar da população urbana. Algumas dessas ações inclui o investimento em infraestrutura verde, como a criação de parques, jardins e áreas verdes nas cidades, além do incentivo da transformação de telhados verdes, que pode ajudar a reduzir a incidência de enchentes e a absorver do excesso de água das chuvas, assim como inovações na pavimentação permeável da cidade, como asfaltos porosos que absorvem água. Temos ainda a proteção e restauração de áreas produtoras de água (nascentes de bacias hidrográficas) e matas ciliares de rios e córregos.
Outra frente de atuação é o planejamento urbano adequado, que deve levar em conta os riscos climáticos e a vulnerabilidade das áreas urbanas. Um terceiro exemplo é o combate ao racismo ambiental e a promoção da justiça climática através do olhar atento às populações mais vulneráveis, evitando o adensamento populacional em áreas de risco, incentivando a construção de áreas verdes e de espaços permeáveis e coibindo o desmatamento, especialmente de mangues, restingas, serras e matas nativas.
Quais outras medidas devem ser tomadas?
Carlo Pereira – A utilização de sistemas de monitoramento e alerta pode ajudar a prevenir a ocorrência de desastres naturais, permitindo que as autoridades atuem rapidamente em caso de necessidade e alertando as populações residentes e flutuantes em caso de risco.
Educação e conscientização da população também são fundamentais para a redução da vulnerabilidade das áreas urbanas diante de eventos climáticos extremos. A população deve estar ciente dos riscos e dos procedimentos de segurança em caso de desastres naturais, além de ser incentivada a adotar comportamentos mais sustentáveis e a reduzir o consumo de recursos naturais.
No caso das cidades do Sul Global, quais são as particularidades e dificuldades?
Carlo Pereira – A urbanização decorrente do colonialismo de exploração, que ocorreu na maior parte das cidades do sul global, resultou em infraestruturas inadequadas e exclusão de populações vulneráveis, já que o objetivo das colônias era gerar lucro e exploração econômica, em vez de atender às necessidades das populações locais. A infraestrutura, muitas vezes, era (e ainda é!) insuficiente e inadequada, especialmente nas áreas periféricas e em comunidades mais pobres. Além disso, a colonização também impôs uma hierarquia social rígida, que perpetuou a exclusão de grupos vulneráveis. Populações negras, indígenas e outras minorias étnicas muitas vezes foram forçadas a viver em áreas periféricas, com infraestrutura inadequada, falta de serviços básicos e acesso limitado a oportunidades de emprego e educação.
Essa forma de urbanização continua a ser um obstáculo para o desenvolvimento sustentável das cidades do Sul Global. A falta de infraestrutura adequada e a exclusão de grupos vulneráveis tornam essas cidades mais vulneráveis a desastres naturais, doenças e outros desafios socioeconômicos.
E como superar essas questões?
Carlo Pereira – Para superar essas dificuldades e particularidades, é necessário que as cidades adotem uma abordagem integrada e participativa, que envolva a colaboração entre governos e empresas, especialmente criando espaços de debate e audiência com organizações da sociedade civil e a população em geral. Algumas das ações que podem ser tomadas incluem o fortalecimento da capacidade técnica para garantir que as cidades tenham uma equipe qualificada e treinada em todas as secretarias e no monitoramento de serviços básicos e emergenciais para lidar com eventos climáticos extremos; a adoção de tecnologias apropriadas para suas condições socioeconômicas e ambientais, garantindo que as soluções adotadas sejam eficazes e viáveis. No Brasil, em especial, se destaca a aptidão para as soluções baseadas na natureza e o potencial em aliar conhecimentos tradicionais de povos originários de cada bioma para desenvolver e inspirar novas tecnologias.
Temos ainda ofortalecimento de redes e parcerias locais, nacionais e internacionais para compartilhar conhecimento e recursos; e a participação da população nas decisões e soluções adotadas para garantir a sustentabilidade e a efetividade das medidas de adaptação e resiliência.
Nesse sentido, como os ODS estimulam as cidades a serem o melhor possível? Como o Brasil está se destacando?
Carlo Pereira – Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU fornecem um quadro para que as cidades possam se tornar mais sustentáveis, resilientes e inclusivas. Os ODS estimulam as cidades a adotar práticas mais eficientes no uso de recursos naturais, reduzir a poluição e o impacto ambiental, promover o transporte sustentável, melhorar a infraestrutura e aumentar a participação da comunidade na tomada de decisões.
No Brasil, as cidades estão fazendo progressos significativos em relação aos ODS. Algumas das principais realizações incluem a expansão do acesso à água potável e saneamento básico, a promoção de energia renovável e eficiência energética, o aumento da cobertura de transporte público, a criação de espaços verdes e a implementação de políticas para combater a desigualdade social.
No entanto, ainda há muito a ser feito. Muitas cidades brasileiras ainda enfrentam desafios significativos em relação ao acesso a serviços básicos, a degradação ambiental e a desigualdade social. Além disso, a pandemia da Covid-19 expôs ainda mais as desigualdades socioeconômicas em muitas cidades brasileiras e destacou a necessidade de investimentos em infraestrutura, saúde e bem-estar das populações mais vulneráveis.
Portanto, é crucial que as cidades brasileiras continuem a trabalhar para cumprir os ODS e promover o desenvolvimento sustentável em suas comunidades. Isso exigirá ação colaborativa e participativa de governos locais, empresas, organizações da sociedade civil e da população em geral.
Como as empresas podem apoiar o ODS 11 e a criação de cidades sustentáveis?
Carlo Pereira – As cidades são responsáveis por dois terços do consumo mundial de energia e emissões de CO2 e estão crescendo rapidamente, o que torna fundamental reduzir sua pegada urbana para diminuir o consumo de recursos.
As empresas são um ator-chave na criação de cidades sustentáveis e na promoção do desenvolvimento sustentável como um todo e podem contribuir em diversas frentes e setores.
O Pacto Global da ONU no Brasil auxilia as empresas a endereçar questões em diferentes assuntos, com plataformas e movimentos, como o + Água, o Conexão Circular e o Ambição NetZero, para que elas assumam compromissos públicos de metas baseadas na ciência.
Na área de saneamento e recursos hídricos, por exemplo, podem investir em drenagem urbana e eficiência para melhorar a qualidade da água, esgoto e gestão de resíduos, além de conservar e restaurar áreas para produção natural de água. No setor elétrico, podem promover acesso à energia para comunidades vulneráveis, incentivar o uso de fontes renováveis e garantir segurança energética para o País. Na construção civil e no setor imobiliário, é possível adotar medidas para zerar desmatamento e gentrificação, e desenvolver planos diretores da cidade aliados também às demandas das populações vulneráveis.
Já na área de bens de consumo, é importante buscar o zero resíduo pós-consumo, adotando a circularidade de materiais e redesenhando produtos para que não gerem resíduos ou para que a cadeia seja estruturada de forma a facilitar o retorno dos materiais para a indústria como matéria-prima. Em todos os setores, as empresas podem adotar cadeias logísticas mais eficientes, repensar a mobilidade de funcionários, garantir salários dignos e investir em resiliência hídrica.
Além disso, o ODS 11 articula uma meta em torno do apoio às cidades na adoção de planos de adaptação, mitigação, resiliência e alívio de desastres, bem como a adesão ao Marco de Sendai para Redução de Risco de Desastres 2015–2030, que convoca também o setor empresarial para ação. O documento reconhece que as empresas têm um papel fundamental na criação de um ambiente propício para a prevenção e redução de riscos de desastres, bem como na promoção da recuperação e reconstrução pós-desastres. Como exemplo, pode-se citar o investimento em inovação e tecnologia para desenvolver soluções mais eficazes, como sensores de monitoramento de desastres naturais e sistemas de alerta precoce, ou ainda, incorporar a gestão de risco de desastres em suas estratégias de negócios e práticas diárias, estabelecendo planos de contingência e mecanismos de resposta com implementação de padrões de segurança.
Como as grandes cidades brasileiras chegarão a 2030? Poderemos ter cidades com baixo impacto ambiental?
Carlo Pereira – É possível criar cidades com baixo impacto ambiental, promovendo energia limpa, uso sustentável dos recursos e da terra, protegendo ecossistemas e biodiversidade, adotando estilos de vida saudáveis em harmonia com a natureza, promovendo o consumo sustentável e padrões de produção, construindo resiliência urbana, reduzindo riscos de desastres, e mitigando e adaptando-se às mudanças climáticas, entre outros. Isso é essencial para alcançar o ODS 11, que busca tornar as cidades inclusivas, seguras, resilientes e sustentáveis. Infelizmente, no Brasil ainda há muita desigualdade e estamos longe de atingir essa meta. Mas não podemos perder a esperança e a motivação para agir.
Para reduzir os riscos, é preciso construir uma nova economia urbana. A ministra do Meio Ambiente e da Mudança do Clima, Marina Silva, defendeu recentemente a decretação de emergência permanente em mais de mil municípios que sofrem com eventos climáticos frequentes, para garantir a velocidade na liberação de recursos para ações preventivas. Direcionamentos como este trazem esperança de que poderemos chegar a 2030 em uma situação melhor do que a atual.
Como é a cidade que você gostaria de viver em 2030 e em 2050?
Carlo Pereira – Uma cidade sem desigualdade, mais diversa, inclusiva, circular, multifuncional e resiliente, com saneamento, energia limpa, alimentos saudáveis, conectividade digital inclusiva, transporte carbono zero eficiente e moradia adequada, bem localizada e segura para 100% da população.
A resiliência urbana econômica, social e ambiental seria essencial, ou seja, a capacidade das cidades de absorver, se recuperar e se preparar para choques e tensões, diminuindo o impacto de crises naturais ou antrópicas. Basicamente, a cidade em que gostaria de viver seria uma cidade que colocasse em prática uma abordagem holística,concretizando todos os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. E que todos e todas tivessem condições dignas de vida e acesso aos direitos essenciais.
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