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Fora de museus, intervenções artísticas em cidades e até em florestas, sensibilizam a população
Intervenções artísticas mostram poder da arte para transformação social.
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Redação em 8 de novembro de 2024 5minutos de leitura
Foto: Turbo Labs e Studio Kobra
“Dizer que a obra de arte faz parte da cultura é uma coisa um pouco escolar e artificial. A obra de arte faz parte do real e é destino, realização, salvação e vida”. Essas palavras foram ditas pela poetisa portuguesa Sophia de Mello Breyner Andresen em evento da Sociedade Portuguesa de Escritores, em 1964. Em outro país de língua portuguesa, o Brasil, exatos 60 anos depois, o artista Eduardo Kobra recorreu a essa arte – que realiza e salva – para mobilizar e sensibilizar a população para o enfrentamento às queimadas que atingiram áreas verdes no país e ameaçaram biomas em 2024, principalmente em setembro. As intervenções artísticas retrataram situações de resgate e migração de animais em 10 painéis instalados em região de mata atingida pelo fogo no município de Araçariguama, a 54 km da capital paulista.
Reconhecido internacionalmente por suas obras, Kobra é exemplo de como a arte traz novas perspectivas sobre a forma como as pessoas se apropriam dela. As peças que retratam as queimadas alertam sobre as consequências de tragédias ambientais como a que ocorreu em Araçariguama, que devastaram a fauna e a flora locais. O artista retratou um bombeiro resgatando um filhote de jaguatirica, pássaros em busca de um novo local para abrigo e alimentação, uma anta e sua cria caminhando pelas cinzas e uma criança atuando pela recuperação da área queimada.
As peças foram confeccionadas com materiais biodegradáveis e instaladas em 30 de setembro para produção de imagens oficiais. Por questões de segurança e respeito ao espaço, na sequência os painéis foram retirados e estão no acervo do artista. “O planeta está nos mandando sinais e precisamos prestar atenção em todos eles. É nosso dever cuidar do meio ambiente e evitar que tragédias como essas assolem o Brasil novamente. Nossa biodiversidade é rica e inspiradora e espero que a arte amplie a mensagem de conscientização e, de alguma forma, traga um pouco de esperança”, diz Kobra.
Olhar e sentir
Pesquisa da Universidade da Basileia, na Suíça, feita por psicólogos em 2020, apontou que apenas olhar para obras de arte é o suficiente para causar emoções. As obras não precisam estar acompanhadas de legenda explicativa; ou seja, trata-se de olhar e sentir. Segundo o estudo, a arte tem efeitos na experiência estética e na frequência cardíaca das pessoas. Entre os resultados estão, além de oscilações de frequência cardíaca, alterações de condutância da pele (indicador que mede quanto alguém transpira, apontando reações emocionais e físicas). Assim, as características da obra de arte em si têm impacto mais forte do que as informações contextuais fornecidas.
Longe de áreas verdes como a de Araçariguama, onde Kobra fez intervenções artísticas que remetem a uma tragédia ambiental, a arte impacta espaços de grandes cidades. É o caso de obras em fachadas de prédios. Nos últimos anos, a capital paulista, por exemplo, se tornou centro de arte urbana: artistas locais e internacionais pintaram murais em prédios abandonados e paredes cegas por toda a cidade.
Foto: Travel-Fr / Shutterstock.com
No coração da Vila Madalena, bairro da cidade de São Paulo/SP, o Beco do Batman, que ganhou fama por seus murais de grafite que atraem diversos visitantes e turistas, também traz o grafite para cegos, democratizando o acesso à expressão artística transformadora do espaço público, enquanto nos asfaltos a arte também é forma de deixar o trânsito mais calmo e as cidades mais bonitas.
De acordo com a Bloomberg Philantropies, os murais nos asfaltos diminuem em 50% a incidência de acidentes de carro envolvendo pedestres e ciclistas, em 37% o número de acidentes que levam a lesões e em 20% o número total de acidentes. Os dados vêm a partir da análise de centenas de arte na rua do projeto Asphalt Art, do Bloomberg Philantropies, nos Estados Unidos.
Intervenções artísticas, o poder da transformação pelo impacto
Em outra capital, a do Espírito Santo, a artista Kika Carvalho é conhecida por ser a primeira mulher negra de destaque a pintar muros de Vitória. Uma das obras de Kika evidencia a imagem de uma jovem negra em postura cotidiana, apenas sentada em uma cadeira. “Ela não está dentro desse contexto que nós negros somos colocados geralmente pela mídia, que consiste na violência, no cárcere e diversas esferas negativas”, declarou Kika à revista Elástica. “O azul tem a ver com o fato dessa cor ter, dentro da história ocidental, o papel de status de poder. Além disso, na história da arte, as pessoas negras não são representadas, já que quem tinha o foco eram pessoas da elite. Isso muda um pouco com a fotografia mas, mesmo assim, os filmes são feitos para registrar a pele branca. Eu quis trazer todo esse contexto em um trabalho só.”
No Largo da Batata, em São Paulo, uma pintura em duas paredes (de oito andares e 25 metros de largura) convida para reflexão sobre como cultivar a justiça e lutar pela preservação do meio ambiente. A obra, intitulada “Carga Frágil”, é assinada pelo americano Shepard Fairey, um dos mais influentes grafiteiros do mundo. Também conhecido como “Obey”, ele revolucionou a arte urbana com intervenções artísticas impactantes e engajadas, que abordam justiça social e anticonsumismo. Um dos lados da parede do prédio no Largo da Batata retrata imagens florais, uma balança – símbolo da justiça – e um elefante que carrega o mundo nas costas com a inscrição “carga frágil”. Em outra parede, há o rosto de uma garota com um boné e um livro aberto onde se lê na capa “o futuro não está escrito”, referência à banda punk The Clash.
Foto: Juli Hansen / Shutterstock.com
Uma das obras mais icônicas de Obey foi concebida nos Estados Unidos para a campanha presidencial de Barack Obama, em 2008: um cartaz nas cores vermelho, azul e bege com a palavra “HOPE” na parte inferior. O azul simboliza confiança e estabilidade; o vermelho evoca paixão e energia; o bege dá um tom neutro e equilibrado. O estilo gráfico, inspirado em cartazes de propaganda, reforça a mensagem de esperança e mudança.
Já outra intervenção artística de Obey, chamada “De olho no veredicto do rei”, de 2022, apresenta, em um muro em Los Angeles, um retrato em vermelho, amarelo e azul de uma mulher negra usando um cocar. No fundo há elementos gráficos, imagens de soldados e recortes de jornais retratando os tumultos em Los Angeles após o veredicto do julgamento de Rodney King, em 29 de abril de 1992. Ele foi espancado violentamente pela polícia, no ano anterior. A imagem inclui padrões florais e ícones simbólicos, como uma chama. A obra justapõe a dignidade humana e a resiliência perante a injustiça e a brutalidade policial. O retrato da mulher, com semblante calmo e de determinação, contrasta com o caos das imagens de soldados e da violência urbana. Os recortes de jornais remetem à ideia de vigilância e ao foco midiático nas tensões raciais e na busca por justiça.
Assim, intervenções artísticas no Brasil e no mundo, em grandes cidades e até mesmo em áreas de floresta, como o cenário a que Eduardo Kobra recorreu para chamar atenção para a tragédia climática, provam que a arte pode ser um veículo poderoso para uma profunda transformação social e cultural. Arte nos convida para a reflexão; mais do que isso, nos convida para a vida.
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