Marcus Araújo: a voz das crianças no mercado imobiliário

Autor de ‘Meu imóvel, meu mundo kids’, estatístico e futurologista revela como a garotada está mudando o mercado imobiliário e ganhando espaço em assuntos antes considerados ‘de adultos’.

Por Paula Maria Prado em 13 de agosto de 2024 7 minutos de leitura

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Marcus Araújo (Foto: Divulgação)

Mais do que protagonistas do futuro, crianças são capazes de transformar o presente. É a partir dessa premissa que o estatístico e futurologista Marcus Araújo escreveu “Meu Imóvel, Meu Mundo Kids”, livro que leva questões de habitação e sustentabilidade para o público infantil, evidenciando o papel das crianças no mercado imobiliário.

Fundador da Datastore, empresa pioneira em pesquisa de mercado com abrangência nacional para o setor imobiliário, Araújo é também autor dos livros para adultos “Meu Imóvel, meu Mundo” (2022) e “Mentes Saudáveis, Lares Felizes” (2023), este último em parceria com o psiquiatra Augusto Cury.

Na obra infantil, a primeira de uma série de três livros, o pesquisador apoia a criança a entender seu próprio contexto de vida e propõe conversas sobre as diferentes experiências e realidades do morar. Também aborda educação financeira, como são construídas as casas, a evolução das moradias ao longo dos tempos, o papel de cada pessoa no dia a dia da família, os custos que envolvem o cotidiano de um lar, cidadania e o papel dos governantes, entre outros temas. Para ele, uma vez bem informada, crianças podem (e devem!) opinar sobre a moradia dos pais. Afinal, “hoje em dia não existe a possibilidade de uma família escolher um imóvel – adquirido ou alugado – que não leve em consideração, no mínimo, a rotina delas”.

Na entrevista a seguir, ele fala sobre como a criança pode colaborar para a escolha de um imóvel para moradia da família e mais: como ela já está transformando o mercado imobiliário e a sociedade como um todo. Confira!

O que te fez voltar o olhar para as crianças em seu novo livro?

Foto: Divulgação

Marcus Araújo: Sou nascido na década de 1970. Mudei de casa várias vezes na minha infância e adolescência. Mas, exatamente por ser criança/adolescente, eu sempre fui a última pessoa a saber onde a gente ia morar. E isso me incomodava muito. Não era legal ser o último a ficar sabendo sobre nossa nova casa. No entanto, hoje, as novas gerações participam mais da decisão sobre onde a família vai morar. É o caso da Geração Alfa, com crianças de 7 a 11 anos de idade. Elas conseguem ajudar os pais, mas, para isso, precisam ter conhecimento prévio. Não podem opinar do zero. Meu livro oferece conhecimento para elas sobre como podem ajudar de fato os pais na hora da decisão.

Então, crianças opinarem sobre a compra/aluguel de um imóvel é um fenômeno novo?

Marcus Araújo: Antes, a opinião delas não era levada em consideração. Pelo contrário! Se resolvessem opinar, recebiam, inclusive, advertências de seus pais para que não se metessem em assuntos de adultos. Então, essa mudança de comportamento ocorre realmente a partir da Geração Alfa, que nasceu a partir de 2010. Nem mesmo a Geração Z teve acesso a esse privilégio.  

Mas, afinal, o que as crianças levam em conta na hora de opinar sobre um imóvel? Qual a perspectiva das crianças no mercado imobiliário?

Marcus Araújo: Quando bem informadas, elas levam em conta o método construtivo e o respeito às restrições ambientais, também as questões de sustentabilidade, como tratamento e reuso de águas pluviais e energia renovável. Se preocupam se a construtora tem algum programa de auxílio e retribuição social… São várias questões cívicas relacionadas à qualidade das cidades e dos bairros.

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E como a criança entende o lar?

Marcus Araújo: Vejo que crianças estão vivendo um momento muito difícil. No livro “Mentes saudáveis, lares felizes” (2023), que escrevi com Augusto Cury, tem um capítulo que aborda o tema “Família moderna: um grupo de estranhos”. Porque, apesar de termos bilhões de pessoas no mundo, dentro de casa cada um está em seu mundo particular, conectado ao seu smartphone. Em palestras em escolas, quando peço para levantar as mãos quem tem alguém em casa que passa o final de semana inteiro no celular, cerca de 30% das crianças falam que elas mesmas passam. E isso gera um isolamento.

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O livro atual sugere que elas saiam do quarto e vão para outros ambientes da casa onde estão os familiares, interajam, tenham atenção às refeições e deixem de lado quem está do outro lado da tela esperando só a foto da comida para dar um “like”.

O que você pretende despertar na garotada com a obra?

Marcus Araújo: Entramos bastante na questão da jornada histórica do imóvel, desde a época em que não tínhamos total controle de vegetais e animais, éramos coletores e caçadores. Nesse tempo, nós esgotávamos os recursos de uma região e partíamos para outras. Quando começamos a domesticá-los, demos início a nossa jornada de sedentarização. Com ela veio, naturalmente, a habilidade de transformar os elementos da natureza em imóveis. Mas não era um apanhado de materiais à disposição das intempéries da natureza. E, sim, um lugar onde foi possível desenvolver uma sociedade. É esse ensinamento que nos dedicamos a transmitir para a garotada.

E como isso se desdobra até os dias atuais?

Marcus Araújo: O livro ensina ainda o que são construtora e incorporadora, quais as profissões imobiliárias, como selecionar e escolher bons imóveis que respeitem o meio ambiente no processo construtivo. Elas entendem também quais são os impostos que incidem sobre os imóveis, aprendem a acionar as autoridades e dialogar com os síndicos dos condomínios onde moram.

Ao longo da produção do livro, vocês buscaram apoio de educadores?

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Visita do autor ao colégio João Paulo I (Foto: Reprodução/De Olho na Cidade)

Marcus Araújo: Sim. Uma profissional de pedagogia acompanhou inteiramente o desenvolvimento do livro. Posteriormente, ele foi avaliado por educadores no processo “blind”, ou seja, no formato em que o autor desconhece quem são as pessoas que estão analisando a obra e as pessoas que estão analisando desconhecem o autor. Assim, elas têm total liberdade para fazer críticas e sugestões. Esse processo foi muito útil. Também testamos o livro em sala de aula com uma grande quantidade de crianças atendidas ao longo de palestras que realizo diariamente. E o retorno tem sido muito positivo tanto das próprias crianças, quanto de pais e professores.  

Qual o impacto das crianças no mercado imobiliário?

Marcus Araújo: Hoje não existe a possibilidade de uma família escolher um imóvel – adquirido ou alugado – que não leve em consideração, no mínimo, a rotina das crianças. Escola, aulas complementares, cursos extracurriculares. Vejo que a escolha ocorre em função dos filhos. E essa já uma primeira influência das crianças no mercado imobiliário.

E o setor vai ter que se movimentar para atender famílias com crianças tão bem preparadas. Não dá mais para fazer um atendimento sem dar atenção a elas. Tradicionalmente, as possibilidades do setor levam em conta o poder financeiro na unidade familiar. E, nesse cenário, a atenção dada às crianças, geralmente, é muito pequena. No entanto, cada vez mais inteligentes e conectadas, as crianças exigirão outro tipo de diálogo e interação.

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Dentro desse cenário de moradia, a criança entende o que foge da alçada dos pais?

Marcus Araújo: Sim. Uma das mensagens importantes do livro é sobre pessoas que não podem adquirir seus imóveis nem mesmo via programas governamentais que subsidiam a compra da casa própria. Hoje temos três tipos de aquisições: via programa do governo; por meio de recursos do comprador com apoio de alguma instituição financeira (empréstimo no banco); e compra independente, feita por pessoas que não dependem de qualquer apoio, normalmente para imóveis de alto padrão.

Ainda assim, existe um grupo, estimado em 19% da população ou quase 40 milhões de pessoas, que necessita de auxílio integral do governo, de organizações não-governamentais e ações promovidas por universidades. Levando em consideração o tamanho médio da densidade domiciliar no Brasil, de 2,8 pessoas por unidade residencial, segundo censo 2022, isso dá por volta de 12 milhões de famílias com déficit habitacional grave.

Como isso é traduzido para o contexto infantil?

Marcus Araújo: Um dos personagens, Julinho, passa por esse tipo de problema. E as crianças resolvem ajudá-lo acionando pais, outros alunos e a comunidade. Até que descobrem o óbvio: os ocupantes do poder público têm a responsabilidade sobre a questão habitacional. Com isso, elas entendem que o mais inteligente é comunicar – de forma gentil e educada – aos governantes a necessidade de pessoas de um determinado bairro. 

Na prática, além da influência das crianças no mercado imobiliário, a participação infantil tem o poder de mudar uma cidade?

Marcus Araújo: Sem dúvida! Tenho participado com as crianças de jornadas de perguntas e respostas extremamente exigentes, muito competentes e críticas, com soluções de surpreender qualquer profissional atuante no setor imobiliário. Surpreendentemente, elas participam de forma ativa.

Percebo que a Geração Alpha é mais avançada em relação às gerações anteriores, com senso crítico apurado sobre questões antes consideradas assuntos de adultos.

Por fim, como estatístico e futurologista do morar, como você vê o futuro do mercado imobiliário como um todo?

Marcus Araújo: O mercado precisa estar atento às novas necessidades do morar do século 21. Por exemplo, com o enxugamento da densidade domiciliar de 3,8 no Censo 2000 para 2,8 no Censo 2022, todos os imóveis, via de regra, perderam um quarto, uma garagem e uma suíte. Precisamos mudar o que é considerado alto padrão. Hoje, ter quatro suítes não é mais sinônimo de status. Existem produtos sem paredes, de apenas um quarto, de altíssimo padrão e vendidos a preços muito altos.

Outra preocupação é a expansão lateral das cidades – comum no modelo de ocupação norte-americana –, que costuma invadir o espaço do meio ambiente e da vida silvestre. Então, é preciso buscar soluções de verticalização e valorização das regiões centrais – como ocorre na Europa. Além de inteligente, reduz o custo da cidade, uma vez que expandir redes de esgoto, água e energia é caro.

No entanto, não precisamos copiar um modelo ou outro. Precisamos encontrar o nosso jeito brasileiro de promover a ocupação do espaço, sem negligenciar áreas centrais.

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