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Plano Diretor: o desafio de balancear desenvolvimento e inclusão
Plano Diretor de São Paulo mostra os desafios em equilibrar desenvolvimento, meio ambiente, mobilidade e inclusão social.
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Redação em 7 de agosto de 2023 10minutos de leitura
O Plano Diretor da cidade de São Paulo sempre foi motivo de intensos debates ao longo da história. A discussão voltou à pauta recentemente com a revisão da lei que guia o crescimento e desenvolvimento urbano de todo o município. O projeto aprovado trouxe à tona diversas questões controversas abordadas, até o momento, em 51 audiências públicas. Cerca de 2,5 mil pessoas participaram diretamente desse debate que moldará o futuro da cidade.
O adensamento populacional é um dos pontos centrais do Plano Diretor Estratégico (PDE), buscando concentrar mais pessoas em espaços menores da cidade. O objetivo é tornar a região próxima dos eixos de transporte mais povoada e evitar deslocamentos em massa que causam congestionamentos prejudiciais à economia e à qualidade de vida dos paulistanos.
Para alcançar esse propósito, o PDE estabeleceu algumas regras, como a permissão para a construção de prédios mais altos nas áreas próximas às estações do Metrô, CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos), monotrilho, VLT (Veículo Leve sobre Trilhos), VLP (Veículo Leve sobre Pneus) e corredores de ônibus. No entanto, a discussão atual levanta uma importante questão: será que essa estratégia foi equilibrada o suficiente?
Principais mudanças propostas pelo Plano Diretor de São Paulo
1. Eixos de transporte
A prefeitura planeja aumentar os espaços próximos às linhas de metrô para construção de prédios maiores, conhecidos como “eixos de transporte”. Essa medida visa atrair mais moradores para perto das grandes avenidas, facilitando o acesso ao transporte público e desencorajando o uso de carros particulares.
A expansão desses eixos representará um crescimento de 150% no seu perímetro, invadindo áreas mais internas dos bairros. Em locais que possuem corredores de ônibus ou a Linha 15-Prata do Metrô, o aumento será de 50%. No entanto, especialistas em urbanismo alertam para possíveis problemas dessa mudança. Segundo eles, os limites de construção aumentarão praticamente em toda a região central da cidade, uma expansão descontrolada que pode sobrecarregar o transporte público, aumentar o tráfego de veículos, pressionar as infraestruturas de água, esgoto e eletricidade, além de impactar negativamente o meio ambiente, com o aumento da poluição.
2. Prédios mais altos
Há mudanças significativas no coeficiente máximo de aproveitamento ou taxa de ocupação, que é o parâmetro que determina quantas vezes a área construída de um empreendimento pode exceder o tamanho do terreno sem a necessidade de pagar uma taxa chamada “outorga onerosa”. Atualmente, exceto em áreas designadas como eixos de transporte, o coeficiente máximo é de 1, podendo chegar a no máximo 2. Por exemplo, em um terreno de 100 m², é possível construir até 200 m² sem pagar a outorga. A proposta atual prevê que esse coeficiente suba para 3, o que incentivaria a construção de prédios mais altos.
Essa alteração tem o potencial de impulsionar a verticalização da cidade, permitindo a construção de edifícios com mais andares, vagas de garagem e maior densidade populacional em relação ao terreno ocupado. Isso pode gerar efeitos tanto positivos quanto negativos para a cidade, uma vez que prédios mais altos podem significar maior aproveitamento do espaço urbano, mas também trazer impactos relacionados ao tráfego, infraestrutura e qualidade de vida dos moradores.
3. Cota-parte máxima
A atualização do Plano Diretor prevê um aumento na cota-parte máxima nos eixos viários, passando de 20 para 30 metros quadrados, o que pode influenciar a quantidade de unidades habitacionais permitidas em prédios localizados nessas áreas.
Para ilustrar, se um prédio possui quatro andares e apenas um apartamento por andar (totalizando quatro unidades), a cota-parte é a área do terreno dividida por quatro. Por outro lado, se o prédio tem quatro andares com quatro apartamentos por andar (totalizando 16 unidades), a cota-parte é a área do terreno dividida por 16.
4. Criação de parques municipais
O texto final da revisão do Plano Diretor de São Paulo traz algumas mudanças relacionadas aos parques municipais. Foram incluídos 18 novos parques, que não estavam presentes na versão aprovada em primeira discussão. Entre as principais unidades propostas, destacam-se o Parque do Jockey, localizado na zona sul da cidade, o Campo de Marte, situado na zona norte, e a oficialização da transformação da Praça Princesa Isabel, no centro, que está em obras.
A maior parte dos novos parques, um total de nove, será estabelecida no distrito do Butantã, localizado na zona oeste da cidade. Dentre essas novas áreas verdes, encontram-se a Mata Esmeralda, com espécies da Mata Atlântica e mais de 5 mil nascentes em seus 400 mil m², e o Parque da Joia, uma área de manancial com mata fechada e diversas nascentes. Essa proposta tem o potencial de trazer benefícios para a cidade, como a preservação de áreas verdes e a criação de mais espaços públicos para lazer e recreação dos moradores.
O texto final do Plano Diretor incorporou sugestões provenientes de audiências públicas e da sociedade civil para proteger áreas como o Bixiga, localizado no centro da cidade, e as vilas. O projeto garante que esses locais não sejam considerados eixos de verticalização, mesmo quando estando próximos a estações de trem, metrô e corredores de ônibus. Essa medida impede a construção de prédios sem limite de altura nessas áreas.
A decisão busca preservar a identidade e o patrimônio cultural de regiões importantes da cidade, evitando o adensamento excessivo e a descaracterização desses espaços. A proteção dessas áreas históricas é fundamental para manter a essência da cidade e garantir a continuidade de suas tradições culturais.
6. Mais verba para obras de asfaltamento e moradia
A nova proposta permite que parte da verba do Fundo Municipal de Desenvolvimento Urbano (Fundurb), que é destinada principalmente para moradia popular e mobilidade urbana, seja utilizada para obras de recapeamento e pavimentação de ruas e avenidas.
A mudança representa uma redistribuição nos recursos do Fundurb, que atualmente destina pelo menos 30% para habitação e outros 30% para mobilidade, enquanto o restante pode ser utilizado em outras intervenções urbanas. Com a revisão do Plano Diretor, a parcela destinada à habitação de baixa renda foi ampliada para 40%. A ideia é incentivar e organizar a construção de casas para pessoas de baixa renda em áreas específicas da cidade, chamadas ZEIS (Zona Especial de Interesse Social), que são porções da cidade destinadas predominantemente à moradia para a população da baixa renda.
Além disso, dos 30% destinados na lei vigente para “implantação dos sistemas de transporte público coletivo, cicloviário e de circulação de pedestres”, agora foi incluída a “implantação e realização de melhorias nas vias estruturais”.
7. Outorga onerosa
O texto propõe uma mudança significativa na forma de pagamento da outorga onerosa, que é uma taxa que as empresas de construção pagam para construirem além do limite básico estabelecido. A ideia é substituir o pagamento em dinheiro por obras de mobilidade urbana, drenagem e habitação.
Atualmente, os valores da outorga onerosa são destinados ao Fundurb, que é utilizado para investimentos feitos pela prefeitura. Com a implementação dessa proposta, a prefeitura perderia parte da sua capacidade de arrecadação, uma vez que o dinheiro que era destinado ao fundo seria convertido em obras físicas realizadas pelas empreiteiras.
Por outro lado, as obras de mobilidade, drenagem e habitação seriam exigências obrigatórias a serem cumpridas, contribuido para melhorar a infraestrutura urbana e a qualidade de vida dos cidadãos.
8. Zonas de concessões
A nova proposta introduz as Zonas de Concessões, áreas destinadas a atividades que possuem características únicas e que foram cedidas ou estão planejadas para serem geridas pela iniciativa privada, exigindo uma regulamentação especial para o uso e ocupação do solo. Essas áreas podem incluir parques, mercados municipais e até cemitérios. No entanto, até o momento, ainda não há muita clareza sobre as regras que serão aplicadas a essas Zonas de Concessões.
O que são eixos de verticalização debatidos no Plano Diretor de São Paulo?
Os eixos de verticalização abrangem áreas próximas a estações de trem, metrô e corredores de ônibus, onde é permitida a construção de mais apartamentos com benefícios municipais, como prédios sem limite de altura (geralmente até 48 metros), volume construído de até quatro vezes a metragem do terreno e descontos na outorga onerosa. A revisão do tema no Plano Diretor de São Paulo traz a possibilidade de aumentar a extensão desses eixos na cidade em resposta ao desafio de crescer sem expandir e a necessidade de priorizar deslocamentos menores, a exemplo do que é preconizada pelo conceito de cidade de 15 minutos, e o uso de transportes coletivos em prol da mobilidade urbana.
Anteriormente, o Plano Diretor permitia prédios sem limite de altura em um raio de até 600 metros das estações de metrô e trem, e de até 300 metros dos corredores de ônibus, com o objetivo de atrair moradores para áreas próximas ao transporte público e reduzir deslocamentos longos.
A proposta atual prevê expandir os eixos para todas as quadras alcançadas por um raio de 700 metros das estações de metrô e trem, e até 400 metros dos corredores. Conforme relatado pelo jornal O Estado de S. Paulo, a alteração possibilita que quadras, mesmo que apenas parcialmente tocadas pelo raio, se tornem eixos, abrangendo até imóveis situados a mais de um quilômetro da estação.
A ampliação dos eixos dependerá também da revisão da Lei de Zoneamento, que será enviada pela Prefeitura à Câmara no mês de agosto. Um levantamento do Laboratório Arq.Futuro de Cidades do Insper aponta que o texto atual do Plano Diretor pode aumentar em até 148% a expansão dos eixos em relação à lei vigente de 2014.
Neste cenário, o novo Plano Diretor pode levar à igualdade da capacidade construtiva dos miolos de bairro com os eixos. Vale ressaltar que, os eixos têm sido responsáveis por concentrar mais da metade das moradias lançadas em áreas valorizadas da cidade, como Brooklin, Butantã e Pinheiros.
O professor Adriano Borges Costa, coordenador do Núcleo de Economia Urbana e Ciência de Dados e coordenador-adjunto do Núcleo de Mobilidade do Laboratório, alerta que essa igualdade construtiva pode resultar na extinção dos eixos, que são importantes para orientar a verticalização em direção ao transporte público. “Diminuir a diferença entre o coeficiente de aproveitamento dos miolos e dos eixos reduz a capacidade de atrair novas residências para áreas mais acessíveis”, explicou ele ao Portal Insper.
Costa defende a criação de mais áreas de adensamento próximas ao transporte público, mas reconhece a dificuldade de definir o que é considerado “próximo”. Ele ressalta que ampliar o potencial construtivo ou a área de verticalização em eixos já consolidados pode desestimular novas áreas de adensamento. Por exemplo, se o eixo de Pinheiros já tem poucos terrenos disponíveis para incorporação, ampliar sua área de influência pode dificultar o deslocamento da produção imobiliária para áreas como Mooca, Tatuapé e Santana, que também são próximas ao transporte público.
Desafios da verticalização do Plano Diretor
A permissão para construir prédios altos próximos a pontos de ônibus visa incentivar a construção de mais unidades residenciais e, consequentemente, vagas de garagem, o que pode ter um reflexo significativo no trânsito dos bairros, especialmente em vias estreitas que não estão preparadas para receber um maior fluxo de carros.
Diversos urbanistas apontam que essa verticalização sem o devido estudo pode privilegiar o uso do carro, indo contra o princípio original do Plano Diretor, que busca valorizar o transporte público e o meio ambiente. Com a construção de prédios mais altos, muitas árvores podem ser removidas, resultando em mais poluição e menos áreas verdes na cidade.
Além disso, a verticalização desenfreada nos miolos pode levar à perda da identidade de bairros tradicionais, já que a ampliação para construção de prédios altos pode afetar até mesmo construções tombadas, alterando significativamente a vizinhança e o cenário urbano.
Cidade para quem?
O Plano Diretor é uma ideia de cidade perfeita, onde se busca reduzir desigualdades e melhorar a vida dos moradores. Em São Paulo, o Plano Diretor Estratégico atual tem lutado por isso, querendo mais moradias acessíveis, menos tempo no trânsito, proximidade com transportes públicos, proteção do patrimônio cultural e do meio ambiente e mais espaços verdes.
Em 2014, o Plano acertou ao promover o adensamento próximo aos sistemas de transporte público, mas falhou em trazer pessoas de baixa renda para morar nessas áreas. Da forma como está, o novo Plano tende a perpetuar esse problema.
Isso porque, a expansão do coeficiente de construção em bairros residenciais, aumentando-o de duas vezes a área do terreno para três vezes mais, pode até trazer a possibilidade de construção de prédios maiores e com espaço para mais unidades habitacionais. Entretanto, a mudança pode levar à valorização do entorno das construções, impulsionando um aumento nos preços do metros quadrado nessas áreas, gerando um fenômeno conhecido como gentrificação.
A urbanista e autora do livro “Se a Cidade Fosse Nossa” Joice Berth destaca essa problemática, mencionando, além do encarecimento dos imóveis, questões como moradias cada vez menores, retrofits luxuosos em regiões centrais e a ideia de “áreas nobres”. Para ela, esses pontos refletem um cenário de colonialismo e segregação nos espaços urbanos.
“Esse novo projeto está desconectado dos ideais de uma cidade para as pessoas. Isso é uma continuidade da história, as cidades foram formadas para a manutenção da mentalidade colonial com a configuração de casa-grande e senzala, com os centros de maior poder aquisitivo nos melhores lugares. E quando se fala em senzala ou quilombo, se fala das periferias que continuam na precariedade”, disse ela em entrevista à Folha.
Joice Berth defende um Plano Diretor mais inclusivo, focado em atender às necessidades das pessoas marginalizadas. Ela sugere uma abordagem que promova a igualdade social e melhore a qualidade de vida de todos os cidadãos, assegurando o acesso adequado à moradia, mobilidade e infraestrutura em todas as partes da cidade.
A revisão do Plano Diretor de São Paulo trouxe avanços importantes, como a preservação de bairros históricos e suas comunidades tradicionais, além do incentivo de áreas verdes, com o objetivo de promover uma cidade mais sustentável. No entanto, vozes de urbanistas, como Joice Berth e Adriano Borges Costa ecoam como um alerta, destacando que ainda há desafios a serem enfrentados para um planejamento urbano que, verdadeiramente, seja pela e para as pessoas em linha com as demandas atuais e futuras.
Veja também a visão de Ivan Maglio, engenheiro civil, doutor em saúde pública e planner urbano, sobre planejamento urbano e seus desafios para o presente e futuro do habitar, no episódio 39 do podcast Habitability.
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