O futuro do habitar

Estudo faz projeção para 2040 e revela as tendências das residências do futuro, onde a tecnologia, sustentabilidade e diversidade se encontram.

Por Nathalia Ribeiro em 21 de janeiro de 2025 9 minutos de leitura

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Imagem gerada por Inteligência Artificial

Onde e como habitaremos em 2040? Como serão as residências do futuro? No Brasil, as respostas a essas perguntas são uma mistura de inovação, sustentabilidade e conexão. Segundo o estudo “Comportamento do Consumidor de Imóveis em 2040”, elaborado pela Deloitte em parceria com a Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), as cidades se tornarão hubs inteligentes, onde a integração entre tecnologia, flexibilidade e bem-estar será essencial para atender às necessidades de uma sociedade mais conectada e diversa.

Uma das tendências identificadas é a diversificação dos imóveis para atender a famílias com configurações plurais. Espaços compartilhados, como áreas de convivência e coworking, ganharão relevância, embora a preferência por privacidade e espaços individuais permaneça significativa. Além disso, a busca por residências ecofriendly, com uso de materiais sustentáveis e certificações ambientais, será mais pronunciada entre as novas gerações. Esse movimento não se limitará apenas à construção, mas também se estenderá ao design e ao uso de tecnologias para tornar os lares mais sustentáveis, eficientes e adaptáveis às novas necessidades dos brasileiros.

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O comportamento do consumidor de imóveis

O consumidor atual rejeita rótulos e busca liberdade para construir sua identidade com elementos de diferentes universos. Ele valoriza a privacidade e momentos de introspecção, especialmente em um contexto marcado por uma forte pressão pela perfeição nas redes sociais. Segundo a pesquisa da Deloitte, mais de 60% dos jovens acreditam que seriam mais felizes e saudáveis se reduzissem o uso dessas plataformas. Nesse cenário, o lar se destaca como espaço de equilíbrio entre individualidade e conexões sociais.

Com maior acesso à informação, os consumidores tornam-se mais críticos e exigem relevância, confiança e diálogo das marcas, que competem com inúmeras fontes de dados. A personalização é um diferencial valorizado, pois reflete a individualidade e permite experiências únicas. Além disso, soluções práticas e eficientes que economizem tempo são essenciais para atender a um público cada vez mais ocupado e disposto a investir em conveniência.

Os consumidores também esperam que as marcas demonstrem impacto positivo na sociedade e no meio ambiente, priorizando ética e responsabilidade. Muitos já iniciam ou encerram relacionamentos com empresas com base nesses critérios, evidenciando uma preocupação crescente com sustentabilidade e reputação. Esse comportamento tende a se intensificar, especialmente com o envelhecimento das gerações mais jovens.

Vale ressaltar que a integração entre o virtual e o real molda experiências de consumo, enquanto a valorização do trabalho manual e tecnologias como impressão 3D impulsionam a personalização. Nesse cenário, o consumo é menos sobre status e mais sobre propósito, qualidade de vida e benefícios tangíveis para o indivíduo e a sociedade. As marcas que atenderem a essas expectativas são as que mais irão se destacar. 

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Centros urbanos em crescimento

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Foto: Karol Moraes/ Shutterstock

A busca por melhores oportunidades de emprego, saúde e educação tem sido um dos principais fatores que levam as pessoas da zona rural e das pequenas cidades a migrarem para os grandes centros urbanos. Esse movimento resulta na formação de cidades mais dinâmicas, multifacetadas e, muitas vezes, desiguais. Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), até 2050, cerca de 70% da população mundial viverá em áreas urbanas. No Brasil, a urbanização já é uma realidade: em 1950, apenas 36% da população morava em grandes centros urbanos, enquanto hoje esse número atinge 87%, com a previsão de que chegue a 91% até 2040.

Quais as tendências na construção das residências do futuro?

Um levantamento realizado pela Turner & Townsend, aliado a projeções da Deloitte, revelou importantes tendências que deverão influenciar o futuro da construção civil. Dentre elas, a tecnologia desponta como um elemento central, prometendo transformar significativamente o setor nos próximos anos.

Building Information Modeling (BIM) 

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Foto: RossHelen/ Shutterstock

A modelagem 3D é uma ferramenta avançada que está trazendo benefícios significativos para todas as etapas do processo. Essa tecnologia permite reunir e organizar de forma integrada todas as informações relacionadas à obra em uma única plataforma digital. Isso inclui desde o planejamento inicial e o design arquitetônico até a execução da construção e, finalmente, a entrega ao cliente. Essa consolidação dos dados elimina a fragmentação de informações, promovendo uma visão clara e unificada do projeto.

Uma das principais vantagens da modelagem 3D é a precisão no controle de custos e cronogramas. Ao criar simulações detalhadas, é possível identificar previamente possíveis gargalos e incompatibilidades, o que evita gastos inesperados e atrasos. A ferramenta também permite o ajuste em tempo real de orçamentos e prazos com base em mudanças no projeto, proporcionando maior flexibilidade e previsibilidade. 

Por meio da plataforma, todos os profissionais, desde engenheiros e arquitetos até gestores de obras, têm acesso às mesmas informações, atualizadas em tempo real. Isso reduz falhas de comunicação, melhora a tomada de decisão e promove um trabalho mais coordenado e eficiente. 

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Construção modular

Foto: Maksim Safaniuk/ Shutterstock

As edificações pré-fabricadas, montadas a partir de módulos produzidos fora do canteiro de obras, representam uma solução moderna e eficiente para a construção civil. Essa abordagem permite a racionalização de recursos, aumento da produtividade, maior previsibilidade de custos e redução significativa dos prazos de execução, além de reduzir o desperdício. 

Já amplamente adotada no hemisfério norte, essa tecnologia apresenta grande potencial para reduzir o déficit habitacional em países em desenvolvimento, como o Brasil. A construção modular oferece uma alternativa viável e sustentável para atender à demanda por moradias de forma rápida e econômica. Segundo um estudo da Turner & Townsend, a expectativa é que esse modelo de construção cresça globalmente em torno de 6%.

Além disso, os materiais avançados, desenvolvidos com técnicas inovadoras de produção e processamento, desempenham um papel importante na evolução desse tipo de construção. Com propriedades superiores e novas estruturas, esses materiais permitem a criação de modelos ainda mais otimizados, aumentando a eficiência e a durabilidade das edificações pré-fabricadas. 

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Ambientes integrados

Foto: PrimeLensCrafter/ Shutterstock

Uma das principais estratégias para aproveitar ao máximo espaços menores é integrar ambientes de maneira funcional e fluida. Ao conectar diferentes áreas, cria-se uma sensação de amplitude, permitindo que os espaços sejam utilizados de forma mais dinâmica e eficiente. Essa integração não só otimiza o uso do espaço, mas também facilita a circulação e a adaptação das atividades cotidianas, tornando o ambiente mais confortável e prático.

Um exemplo dessa integração é a cozinha americana, que une a área de preparo de alimentos à sala de jantar ou de estar, tornando a experiência no imóvel mais agradável, pois todos podem participar do momento de convivência em conjunto.

Sustentabilidade e eficiência energética

Foto: Virojt Changyencham/ Shutterstock

A crescente demanda por edifícios mais eficientes reflete uma preocupação com a redução dos impactos ambientais, mas também envolve a racionalização de custos e recursos. Para o consumidor, os benefícios são claros: a diminuição dos custos operacionais e a possibilidade de desfrutar de ambientes com mais qualidade interna. Além disso, a adoção de práticas sustentáveis contribui para o bem-estar coletivo e para a sustentabilidade da sociedade como um todo. Essa mudança de foco em direção à eficiência energética e ao uso responsável dos recursos tem se tornado cada vez mais importante na construção civil.

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No cenário altamente competitivo do mercado imobiliário, obter certificações de sustentabilidade pode ser um diferencial significativo para os empreendimentos. Tais certificações demonstram o compromisso do projeto com as melhores práticas ambientais, tornando-o mais atrativo para investidores e fundos de investimento. Para os acionistas, elas sinalizam que o empreendimento está alinhado com as exigências de sustentabilidade, o que não só valoriza o projeto, mas também assegura que ele esteja preparado para o futuro, com maior aceitação no mercado e um impacto positivo em longo prazo.

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Construção 4.0

Foto: Andrey_Popov/ Shutterstock

A Internet das Coisas (IoT) tem sido cada vez mais utilizada na indústria da construção, especialmente por meio de sensores que permitem o monitoramento constante de diferentes aspectos dos edifícios. Esses dispositivos oferecem uma maneira mais precisa de acompanhar o ciclo de vida das construções, facilitando a manutenção e o controle sobre os componentes das edificações. Com a IoT, é possível realizar intervenções de maneira mais eficiente, com base em dados em tempo real, o que pode reduzir custos e aumentar a durabilidade dos imóveis. 

Embora já existam projetos que utilizam sensores e monitoramento inteligente, a adoção em larga escala da IoT no setor está em estágio inicial. Há uma oportunidade significativa para expandir e integrar ainda mais esses dispositivos, o que pode resultar em uma revolução na forma como os edifícios são geridos e mantidos, proporcionando mais eficiência e sustentabilidade para o mercado imobiliário.

Compartilhamento: coworking, cohousing e coliving

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Foto: Inside Creative House/ Shutterstock

Com o crescimento contínuo das cidades, os espaços residenciais estão se tornando cada vez menores e mais valorizados. Essa mudança tem levado ao aumento dos modelos de compartilhamento de serviços e áreas comuns, como uma forma de reduzir custos. Dados do Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locação e Administração de Imóveis Comerciais e Residenciais de São Paulo (Secovi-SP) mostram que a participação de apartamentos de até 45m² nas vendas na capital paulista subiu de 11% para 57% entre 2011 e 2019. 

Esse fenômeno de diminuição de espaço pode ser equilibrado com a oferta de áreas comuns, como lavanderias, refeitórios e salas de vídeo, criando uma experiência mais dinâmica e social para os moradores. O modelo de coworking, já bem-sucedido no setor comercial, pode servir de inspiração para essa tendência nos imóveis residenciais.

Desintermediação

Foto: Drazen Zigic/ Shutterstock

A compra ou locação de um imóvel é um processo que envolve expectativas, mas também uma série de demandas burocráticas que podem tornar a experiência mais demorada e onerosa. Nesse contexto, tecnologias como o blockchain têm o potencial de transformar o mercado imobiliário. Ao garantir a autenticidade e segurança das transações, o blockchain pode agilizar a burocracia, proporcionando maior eficiência e redução de custos para todos os envolvidos: proprietário, locatário, comprador, vendedor e incorporador.

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Além disso, a evolução do papel do corretor de imóveis é uma tendência crescente. Tradicionalmente focado na prospecção e no fechamento de negócios, esse profissional está se tornando cada vez mais consultivo. A análise de dados passa a ser uma ferramenta essencial, permitindo que o corretor entenda melhor o perfil do cliente e o conecte com o imóvel que atenda às suas necessidades. Essa mudança vai além da simples venda ou locação, oferecendo uma experiência mais personalizada e eficiente para o consumidor.

Residências do futuro: diversas gerações e realidades econômicas

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Foto: Ground Picture/ Shutterstock

O conceito de residência está em constante evolução, refletindo as mudanças sociais, econômicas e tecnológicas. De acordo com a pesquisa da Abrainc, que também menciona um estudo da Fundação NHBC sobre a moradia do futuro, as residências previstas para 2040 tendem a ser cada vez mais multigeracionais. Isso implica que as construções estarão projetadas para acomodar diversas gerações ao mesmo tempo, oferecendo funcionalidades que atendem desde as necessidades de acessibilidade para os idosos até a integração tecnológica voltada para os mais jovens, imersos no universo digital. A previsão é que, até 2040, as moradias sejam projetadas para acomodar todos os membros de uma família.

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Uma das principais barreiras para esse modelo de moradia, tão almejado pelas famílias, é a realidade financeira. Segundo o estudo, muitos brasileiros, sem considerar sua condição econômica, apontam o desejo de viver em casas dentro de condomínios ou vilas fechadas, que proporcionam segurança, privacidade e, muitas vezes, a possibilidade de viver com familiares de diferentes gerações. No entanto, quando a questão financeira entra em cena, o cenário muda consideravelmente: o sonho da casa em condomínio, que antes representava a escolha da maioria, é trocado pela opção de uma casa em rua aberta, que se torna a preferência de 32% dos entrevistados.

A disparidade no desejo por moradia também reflete a diferença de classe social. Apenas aqueles com uma renda per capita superior a R$ 7 mil por mês permanecem firmes na preferência por imóveis em condomínios. Para a maioria da população, especialmente nas classes médias e baixas, a casa em rua, com um custo mais acessível, torna-se uma solução mais viável.

Além disso, a pesquisa também sugere que a localização das residências, seja em áreas urbanas ou rurais, não influencia significativamente nas preferências quanto ao tipo de imóvel. A necessidade de soluções práticas, que combinem segurança e conforto, transcende a região onde se vive.

O futuro da construção civil, portanto, se desenha com a necessidade de flexibilidade. As empresas do setor terão o desafio de entregar imóveis que atendam tanto às exigências de funcionalidade para diferentes gerações quanto à acessibilidade econômica, contemplando desde as faixas de renda mais altas, que priorizam o conforto e a segurança, até as classes mais baixas, que buscam por soluções mais econômicas e adaptáveis ao seu estilo de vida. Tudo isso, é claro, considerando em sua estratégia de negócio os desafios atuais da sociedade, que demanda responsabilidade e sustentabilidade.