Da inovação ao desafio: o dilema dos resíduos eletrônicos

A um ano do prazo para a meta de reciclar 17% dos resíduos eletrônicos, a taxa de reciclagem no Brasil se mantem igual há uma década: cerca de 3%. 

Por Redação em 6 de fevereiro de 2024 5 minutos de leitura

residuos eletronicos

Celulares, fones de ouvido, computadores, pilhas, eletrodomésticos. Todos esses utensílios, quando atingem o fim de sua vida útil, transformam-se em um problema ambiental: os resíduos eletrônicos. A questão se agrava, pois, esse fim, sequer tem chegado de fato. Mesmo em funcionamento, diversos aparelhos são substituídos por novas versões e despejados de forma acelerada no mercado pelas indústrias. 

Segundo estimativas da Universidade das Nações Unidas (UNU), o consumo de Equipamentos Elétricos e Eletrônicos (EEE) cresce, em média, 23% ao ano, em países de baixa e média rendas. O rápido aumento do consumo de EEE pode ser atribuído ao desenvolvimento acelerado da sociedade da informação em escala global.

Um exemplo é a expansão rápida das redes e serviços de telefonia móvel e banda larga, que possibilitou que mais pessoas, especialmente em áreas rurais, tenham acesso à Internet. Em 2021, a União Internacional de Telecomunicações (UIT) revelou um recorde de 110 assinaturas de serviços de telefonia móvel por 100 habitantes. 

A competitividade crescente na indústria eletrônica, que influencia diretamente os preços, tornando a tecnologia mais acessível, enquanto os consumidores buscam adotar as últimas inovações tecnológicas, são outros fatores contribuintes. Paralelamente, o desenvolvimento tecnológico como um todo, a exemplo de casas e cidades inteligentes, também demanda mais o uso de eletrônicos. 

(Des) informação 

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Anualmente, mais de 53 milhões de toneladas de equipamentos eletroeletrônicos e pilhas são jogadas fora globalmente, revela o The Global E-waste Monitor. Em 2019, apenas o Brasil descartou mais de 2 milhões de toneladas de resíduos eletrônicos, conforme aponta o relatório da Universidade das Nações Unidas. Menos de 3% desse montante foram efetivamente reciclados. 

A falta de conhecimento sobre o tema contribui para esse cenário. Um estudo recente, divulgado pela Green Eletron, uma organização sem fins lucrativos especializada em logística reversa de eletroeletrônicos e pilhas, e conduzido pela Radar Pesquisas, revelou que, embora 90% dos brasileiros tenham identificado corretamente celulares e computadores como lixo eletrônico, algumas respostas revelaram falta de clareza sobre o tema: 51% não consideram lâmpadas comuns, incandescentes e fluorescentes como lixo eletrônico; 34% acreditam que lanternas não se enquadram nessa categoria; e 37% pensam que balanças também não são lixo eletrônico. 

Coleta (in)eficiente 

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Foto: Joel Rodrigues/Agência Brasília

Com a inauguração de pontos de coleta em 11 capitais brasileiras em 2021, observou-se um aumento significativo na reciclagem de eletrônicos. Até aquele ano, mais de 3,4 mil locais de coleta de resíduos eletrônicos estavam distribuídos em mais de mil cidades por todo o país, resultando na recuperação de 1,2 mil toneladas de lixo eletrônico. 

O sucesso da medida serviu de base para o Programa Nacional de Logística Reversa, implementado em 2022 para coordenar e integrar os diversos sistemas de logística reversa do País. Contudo, a um ano do prazo para a meta de reciclar 17% do lixo eletrônico, a taxa de reciclagem se mantem igual há uma década: cerca de 3%. 

Em entrevista ao Correio Braziliense, Carlos Silva Filho, diretor-presidente da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe), diz que a regulamentação do sistema de logística reversa para equipamentos eletroeletrônicos deveria ter ocorrido anos antes, considerando que a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) estabelece a exigência de acordos setoriais para esse segmento desde 2010. 

Leia também: Resíduos (e problemas) sólidos, os desafios do PNRS

A demora resultou em um atraso na reciclagem de resíduos eletrônicos no Brasil em comparação com outros países de desenvolvimento semelhante. De acordo com Silva Filho, o Brasil está atrás de outros países, como Argentina, China, Colômbia, Jordânia, Líbano, Malásia, México, Peru, Romênia e África do Sul, que alcançam taxas de reciclagem mais elevadas, variando entre 20% e 25%.

A necessidade de ações

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Nos Estados Unidos, a preocupação com a reciclagem de lixo eletrônico também tem crescido significativamente, refletindo o reconhecimento do país como um dos maiores produtores desse tipo de resíduo no mundo, conforme indicado pela Organização das Nações Unidas (ONU). Cidades americanas têm implementado iniciativas e programas destinados à coleta e reciclagem responsável de dispositivos eletrônicos descartados, buscando mitigar os impactos ambientais e promover a sustentabilidade. 

Em 2012, por exemplo, a Agência de Proteção Ambiental do Estado de Illinois (EPA) promulgou a Lei de Reciclagem e Reutilização de Produtos Eletrônicos, uma medida legislativa que tinha como objetivo principal “abordar adequadamente a reciclagem e reutilização de produtos eletrônicos residenciais obsoletos”. Essa iniciativa representou uma mudança substancial na abordagem do estado em relação ao lixo eletrônico, proibindo integralmente a disposição desse tipo de resíduo em aterros sanitários. A legislação impôs altas multas tanto para empresas quanto para indivíduos que fossem flagrados descartando lixo eletrônico de maneira inadequada.

Nova Iorque aderiu a uma abordagem semelhante. Desde 2016, o descarte de dispositivos eletrônicos em lixeiras comuns, calçadas ou aterros sanitários é proibido na cidade. A infração à lei acarreta multas de US$ 100 dólares. 

No Brasil, ao analisar as razões para o atraso no tema, Carlos destaca a relutância do setor produtivo em assumir novos custos, enfatizando que a logística reversa, sendo uma operação dispendiosa, não pode ser exclusivamente atribuída ao setor público. Segundo ele, o setor privado desempenha um papel crucial, sendo responsável por facilitar a logística reversa, especialmente para itens com potencial de risco maior ao meio ambiente, entre eles, os produtos eletroeletrônicos. As empresas devem fornecer alternativas para reutilizar esses produtos em suas cadeias produtivas ou garantir sua destinação adequada. Os consumidores, por sua vez, têm a responsabilidade de devolver embalagens e produtos às empresas. 

Mudança radical 

O Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 12 da ONU destaca a importância de alcançar “formas de consumo e produção sustentáveis”. Quando se trata de resíduos eletrônicos, isso se traduz em gerenciar esses produtos de maneira consciente ao longo de sua vida útil, evitando a emissão de substâncias tóxicas no ar, na água e no solo. 

No Brasil, as diretrizes da PNRS foram formalizadas pelo Decreto Federal nº 10.240/2020. Mesmo assim, o Brasil é o quinto maior gerador desse lixo no mundo e o primeiro na América Latina. Essa distância entre teoria e prática demonstra a necessidade de uma mudança estrutural, de mindset, como preconiza o conceito de economia circular, uma abordagem integrada em direção a práticas mais responsáveis e eficientes na gestão dos recursos, começando pela maneira como nos relacionamos com as coisas.

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