Uma casa 100% autossustentável em uma área tranquila, bucólica, no alto de uma montanha, que virou case na arquitetura brasileira. Essa é a Casa das Birutas, no município de Piracaia, interior de São Paulo. Ela foi construída com diversas técnicas de bioconstrução e outras tecnologias que a tornaram autossustentável. O telhado é de bambu; a estrutura foi feita com madeira certificada; e o muro foi erguido com hiperabode, técnica que utiliza terra limpa (sem resíduos orgânicos) retirada do próprio local da obra. Além disso, mais de seis mil garrafas de vidro foram utilizadas como piso dos degraus.

O projeto, do escritório Gera Brasil, especializado em arquitetura sustentável, busca aproveitar o maior número possível de materiais que já estão na natureza ou que seriam descartados pela obra. É um exemplo de arquitetura bioclimática, que considera, nos projetos, as condições climáticas e o uso de recursos já disponíveis na natureza para minimizar os impactos ambientais e reduzir o consumo de energia.
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Como a Casa das Birutas fica em uma área distante dos sistemas de água e esgoto, na ecovila de Piracaia, a água potável é retirada de uma nascente e é utilizada apenas para os chuveiros, o filtro e as pias. As descargas dos vasos sanitários e a irrigação do jardim são feitas com água captada da chuva, o que gera economia de 36% para os moradores. O paisagismo foi concebido a partir do sistema agroflorestal, que produz alimentos por uma mecânica inteligente em parceria com a floresta do entorno. Jardins também foram implantados no relevo acidentado para conter a água de enxurradas e prevenir erosão.
Os clientes que demandam por esse tipo de projeto, pautado na sustentabilidade e na arquitetura bioclimática, solicitam materiais ou sistemas que gostariam de adotar para tornar suas casas mais adaptadas ao clima. Alguns exemplos são paredes de terra e taipas de pilão (técnicas de construção com materiais naturais).
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A relação de custo e preço das casas sustentáveis
Mesmo com economia de energia, como é o caso da Casa das Birutas, construir com menor impacto possível sobre o meio ambiente pode impactar negativamente o bolso. Quem encomenda projetos de casas sustentáveis é da classe alta e almeja casas que sejam também de alto padrão. Madeira reflorestada utilizada para estrutura das janelas e do piso de uma casa pode custar R$ 150 mil (23 toneladas de vigas). Mesmo com estrutura cara, uma residência pode economizar energia se tiver portas de entrada em madeira e vidro, que permitem a entrada de luz e ventilação naturais, o que ajuda a reduzir a necessidade de ar-condicionado. Porém, uma casa convencional em alvenaria pode custar um terço a menos em relação a uma sustentável, segundo o casal Milene Chaves e Fernando Taliba, em entrevista ao Estadão. Eles construíram uma residência sustentável em Córrego de Bom Jesus (MG), na Serra da Mantiqueira, com projeto do Gera.
No entanto, muitas soluções podem ser levadas para construções e reformas com custos menores, democratizando o acesso ao conceito de arquitetura bioclimática. Mas o que falta para que essa arquitetura seja disseminada entre outras classes sociais?
Mudança de mentalidade

Para Viviane Rubio, arquiteta e urbanista, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie, “da mesma forma que as ações para a mitigação dos impactos da ação do homem sobre a natureza, a adoção de materiais e as estratégias alternativas para a melhoria da qualidade das edificações é uma questão de mudança de mentalidade”.
Ela explica que as técnicas e a informação sobre o uso de materiais simples e as estratégias para o conforto ambiental das edificações são ensinadas e incentivadas ao longo da formação dos arquitetos. “Mas, com o advento do concreto armado e das fachadas envidraçadas, essas soluções baseadas na natureza foram perdendo a força”, comenta.
Viviane ressalta que arquitetos têm adotado soluções para a redução do resíduo na construção civil e feito reuso de materiais de demolição, diminuindo o uso de concreto armado e estruturas metálicas, “mas, culturalmente, a laje de concreto e as paredes de tijolos ainda são os mais aceitos pela população brasileira em geral. Telhados de palha e paredes de adobe ou taipa de pilão não têm o mesmo apelo que uma sólida laje de concreto e uma bela parede lisa e branca”.
Segundo a arquiteta, soluções contemporâneas para aclimatação e redução de consumo de água e energia possuem técnicas com preço ainda inacessível e necessitam de processo de manutenção, nem tão simples assim, para a população de baixa renda. “Outra dificuldade é a mão de obra da construção civil, que, em sua maioria, no Brasil, mesmo para a tecnologia tradicional, não possui capacitação adequada”, avalia ela.