Da indignação à ação: o impacto da participação ativa nas cidades

Da indignação cotidiana às grandes mudanças, Jerlan Alves, do NOSSAS, explica como a organização comunitária transforma territórios.

Por Nathalia Ribeiro em 13 de agosto de 2025 13 minutos de leitura

Jerlan Alves, gestor de mobilização do NOSSAS
Jerlan Alves, gestor de mobilização do NOSSAS (Foto: Acervo pessoal)

Nem toda transformação começa com grandes projetos. Muitas vezes, ela nasce de algo aparentemente pequeno, como o buraco na rua que ninguém resolve, a reunião de condomínio que decide mais do que parece, o vídeo de um alagamento compartilhado nas redes. É a forma como respondemos a esses incômodos cotidianos que define o quanto estamos dispostos a mudar e o que podemos, de fato, transformar.

Essa é a convicção que guia Jerlan Alves, gestor de mobilização do NOSSAS, organização que há mais de 15 anos articula tecnologia, política e cidadania ativa para enfrentar desigualdades e fortalecer a democracia a partir das realidades locais. Criado no Rio de Janeiro, o NOSSAS engloba atualmente quatro projetos locais em cidades-chave — Meu Rio, Minha Sampa, Minha BH e Minha Manaus —, que atuam em parceria com coletivos, movimentos sociais e lideranças periféricas. Cada iniciativa é moldada pela escuta e pela construção conjunta de soluções, apostando no poder das redes, das tecnologias cívicas e da ação comunitária como motores de mudança.

Nesta entrevista, Alves compartilha aprendizados, desafios e caminhos possíveis para ampliar o sentimento de pertencimento e o engajamento nas decisões que moldam a vida urbana. Porque, como ele ressalta, cada pequena vitória importa. É reunindo indignações, desejos e ações coletivas que transformamos não apenas os territórios, mas o próprio significado de cidade.

O NOSSAS é uma organização que articula tecnologia, política e participação cidadã. Na sua visão, como esses três campos se entrelaçam na construção de uma cidade mais democrática?

Jerlan Alves: Tudo isso faz parte do sentido de existência da organização. Temos 15 anos de existência. Começou com um projeto de incidência local no Rio. Naquela época, já se identificava a lacuna que existia entre a política, a vida pública e as pessoas. Ou seja, as pessoas estavam acompanhando um milhão de coisas, mas vivendo suas vidas, e, de alguma forma, era necessário retomar a participação na vida pública. Mostrar o que estava sendo decidido, mostrar como essas tomadas de decisão afetavam a vida de todo mundo. Esse é o sentido de existir do nosso trabalho: permitir que as pessoas participem das tomadas de decisão. 

Na prática, como vocês fazem para que as pessoas participem mais dessas decisões?

Jerlan Alves: Cada organização tem sua teoria de mudança, sua abordagem, seu approach. No nosso caso, sempre investimos muito na criação de tecnologias. Se pensarmos bem, 15 anos atrás foi o boom do Facebook. Todo mundo criava um evento para participar de uma manifestação, os grupos trocavam ideias, as pessoas se organizavam. Desde então, temos investido bastante na criação de infraestrutura pública digital.

Hoje, por exemplo, temos uma plataforma de mobilização chamada O Bonde, que foi criada por nós, por brasileiros, por ativistas e para ativistas. A ideia é criar campanhas para que as pessoas possam se engajar, seja por meio de um formulário simples, como um abaixo-assinado, ou por outras funcionalidades mais inovadoras, como o disparo de mensagens para um público-alvo específico. Parte desse desejo é justamente usar a tecnologia para fomentar a participação das pessoas na vida pública. Mas não é só isso. Ao longo dos anos, fomos desenvolvendo novas abordagens, como a criação de programas de mobilizadores, onde treinamos as pessoas com nossa metodologia e forma de pensar, para que possam influenciar políticas públicas.

De que maneira o NOSSAS apoia as pessoas para que elas possam influenciar políticas públicas de forma efetiva?

De que maneira o NOSSAS apoia as pessoas para que elas possam influenciar políticas públicas de forma efetiva?
Foto: Zamrznuti tonovi/ Adobe Stock

Jerlan Alves: Temos projetos como o Defesa App, por exemplo. No Rio de Janeiro, as pessoas usavam o app para denunciar violações de Direitos Humanos, principalmente em favelas. Essas denúncias eram armazenadas e encaminhadas para as autoridades competentes. O projeto foi tão bem-sucedido que chegou a ser incubado pela própria Ouvidoria de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa. Essa é a razão de ser da organização: fazer com que as pessoas se interessem pela política, participem.

A plataforma BONDE e o Defesa App mostram como o NOSSAS colocam a tecnologia a serviço da participação, mas em um País tão desigual, como vocês lidam com os limites de acesso à tecnologia, principalmente, em comunidades em situação de vulnerabilidade?

Jerlan Alves: Acaba que a gente se apega muito à tecnologia, mas, de fato, ela ainda exclui bastante gente. Por isso, pensamos em formas de nos aproximar de determinados territórios, de diferentes perfis etários e de grupos minorizados, justamente para permitir o escoamento de denúncias e de outras formas de manifestação. 

Uma coisa que sempre valorizamos, desde a fundação, é construir as ações em conjunto. Os projetos que desenvolvemos contam com hubs em várias cidades, como Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Manaus, São Paulo, entre outras. Mas é importante dizer que não detemos todo o conhecimento sobre o campo socioambiental, sobre políticas de gênero, por exemplo. Contamos com uma equipe capacitada para desenvolver campanhas, articular estratégias de incidência política e realizar ações de advocacy

A atuação parte da escuta das indignações urbanas e da identificação de oportunidades de ação concreta. O trabalho é feito em parceria com movimentos sociais, acolhendo denúncias, monitorando projetos de lei e construindo soluções em conjunto com quem já atua nesses temas há muito tempo. Então, ao longo dos anos, fomos entendendo que a tecnologia sozinha não resolve todos os problemas. Percebemos que eram necessárias outras abordagens. 

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Muitas vezes essas outras abordagens passa pela formação de novas lideranças que surgem fora dos partidos. Vem das ocupações, dos coletivos, dos movimentos por moradia e clima. Como o NOSSAS contribui para sustentar e proteger essas lideranças? 

Jerlan Alves: Temos olhado bastante para as redes sociais e para esse fenômeno crescente dos microinfluenciadores, especialmente aqueles que atuam nas periferias, e como eles influenciam outras pessoas. A partir disso, desenvolvemos o Periférico Fala, um programa voltado para influenciadores periféricos de Belo Horizonte, por enquanto. É um projeto com duração de três meses, no qual oferecemos uma bolsa-auxílio para compra de equipamentos, para que se profissionalizem mais, e um curso de formação em ativismo, política e redes sociais. A ideia é impulsionar o trabalho que essas pessoas já fazem e mostrar a elas o poder que têm.

Muitas vezes, é alguém com 20 mil seguidores, que está na sua quebrada, falando sobre vários assuntos. E essa pessoa pode, por exemplo, falar sobre a importância da tarifa zero, incentivar a participação nas eleições para combater a abstenção, levantar temas importantes. Afinal, ela tem um canal de comunicação muito direto e aberto com seus seguidores. Como disse, temos percebido que a tecnologia não resolve tudo, mas, ainda sim, conseguimos nos aproximar das pessoas, de determinados territórios, de grupos minorizados, e ajudar a impulsionar vontades e desejos de transformação na cidade, no bairro, no estado.

Como você avalia o nível de maturidade da sociedade civil brasileira no que diz respeito à mobilização popular?

Jerlan Alves: Há cerca de dez anos era muito discutido a chamada crise da participação, marcada por duas frentes principais: a crise da representatividade, com muitas pessoas se sentindo distantes de quem as representa, e a crise da participação em si. Hoje, embora a crise de representatividade ainda persista, a participação tem se manifestado de outras formas. As pessoas estão, sim, participando de decisões e expressando suas indignações, mas muitas vezes não sabem quando ou como agir para transformar essa insatisfação em ação concreta.

Quais são os entraves?

Jerlan Alves: Um dos grandes entraves é a dificuldade de compreender a divisão entre responsabilidades federais e locais. Temas nacionais altamente polarizáveis, como aborto, drogas e sistema carcerário, dominam o debate público e acabam ofuscando questões cotidianas, como saneamento, calçamento, trânsito e mobilidade urbana, problemas que afetam diretamente a vida das pessoas, mas que são percebidos como mais difíceis de resolver. Essa confusão acaba distanciando a população das soluções mais imediatas, que muitas vezes estão ao alcance no nível municipal.

Foto: PintoArt/ Adobe Stock

Mesmo assim, há sinais claros de engajamento. As pessoas se manifestam nas redes sociais, denunciam problemas do bairro com vídeos de celular, cobram providências. O que ainda precisa amadurecer é o senso de organização coletiva. É esse senso que buscamos incentivar com nossos processos formativos e campanhas, mostrar que é possível mobilizar o entorno com recursos simples. Juntar os vizinhos, fazer um abaixo-assinado, procurar uma secretaria, usar os canais de denúncia, tudo isso são formas concretas de participação cidadã.

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O que ainda falta para fortalecer esse senso de ação coletiva?

Jerlan Alves: Eu vejo isso em diferentes níveis. No que diz respeito à participação, acho que temos avançado. Agora, quando falamos de estratégia coletiva, talvez ainda precisemos amadurecer. Existem, sim, casos fora da curva. E, muitas vezes, é justamente em comunidades mais vulneráveis, mais pobres, que essa estratégia de organização se mostra mais presente, mais visível.

São lugares onde as pessoas enfrentam desastres climáticos, por exemplo, e precisam se mobilizar rapidamente para ajudar quem está em situação de risco, para reconstruir uma casa, para limpar tudo depois de um evento climático extremo. Esses saberes já existem ali. Essas formas de se organizar já estão presentes, mas precisam ser reconhecidas e potencializadas.

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Você acredita que as estruturas atuais das cidades permitem que a população participe de maneira mais efetiva nas decisões que impactam seu território?

Jerlan Alves: O regime democrático já está estabelecido e, em muitos aspectos, funciona como deveria. No entanto, a efetiva ocupação dos espaços de participação popular ainda é um desafio. As Câmaras de Vereadores, por exemplo, tendem a beneficiar os partidos mais tradicionais, o que contribui para a sub-representação de juventudes, mulheres negras e outros grupos historicamente marginalizados. Casos recorrentes, como o das candidaturas laranjas,  criadas apenas para cumprir cotas, sem intenção real de eleição, evidenciam como essas estruturas acabam excluindo vozes importantes e necessárias para a renovação política.

Nesse cenário, a ocupação dos espaços de decisão torna-se uma estratégia essencial. É preciso trazer novas vozes, mais representatividade e qualificação para dentro da política. Os conselhos, como os de juventude, meio ambiente e mobilidade urbana, mesmo sem poder deliberativo, desempenham um papel fundamental como espaços de escuta, denúncia e formação cidadã. Eles ajudam a orientar decisões e a fortalecer o vínculo entre o poder público e os territórios, especialmente quando funcionam como espaços de aprendizagem coletiva.

Quais seriam esses pontos de aprendizagem coletiva?

Foto: Det-anan/ Shutterstock

Jerlan Alves: Nas periferias, por exemplo, por enfrentarem eventos climáticos extremos e grandes desafios coletivos, as pessoas são obrigadas a se unir, porque só têm umas às outras. É um espaço de solidariedade enorme. Por outro lado, cada vez mais as pessoas estão morando em condomínios, vivendo rotinas aceleradas, chegando tarde em casa. E, nesse contexto, talvez o momento mais próximo de uma experiência de tomada de decisão seja a assembleia do condomínio. Aquela reunião que muitos frequentam a contragosto para decidir se vai ter cobertura na garagem, ou o que fazer com a churrasqueira.

Mas isso também é política. É uma forma de viver a democracia, em um nível hiperlocal. E isso também compõe o processo. A diferença é que, enquanto em áreas mais abastadas a democracia às vezes se reduz à lógica do condomínio, nas periferias ela ganha contornos muito mais urgentes, coletivos e solidários. E acredito que é aí que reside um grande aprendizado.

Você mencionou a crise climática e este é um tema latente, pois nem sempre as respostas dos governos priorizam quem está na linha de frente dos impactos. Na sua visão, como garantir que as estratégias de justiça climática sejam construídas a partir dos territórios, com protagonismo das populações mais afetadas, e articuladas a outras agendas estruturais, como moradia, raça e gênero?

Jerlan Alves: Qualquer estratégia precisa partir de algo que já exista e não pode ser distante da realidade local. A gente vive em um País de dimensões continentais, com realidades muito diferentes. O evento climático que o pessoal do Jacarezinho, no Rio de Janeiro, enfrenta todo mês de janeiro, com as chuvas, é completamente diferente da realidade de quem vive em Recife/PE. São situações distintas, ainda que haja similaridades. O clima pode ser o mesmo, mas as consequências e a forma como a periferia lida com esses eventos variam bastante. Por isso, qualquer política pública precisa partir de um reconhecimento de que já existem saberes e articulações acontecendo nas comunidades. Já tem pessoas que, diante da ineficiência do poder público e da ausência de participação dos tomadores de decisão, resolveram agir por conta própria. 

Conheci, por exemplo, o trabalho do pessoal da Vila Raje, em Recife. Eles montaram um sistema interno de monitoramento da chuva com os próprios moradores. Não tinham um alerta por WhatsApp dizendo que vinha temporal, mas usavam um método local, como colocar um pedaço de pau no rio para medir o nível da água. Quando percebem que passou de certo ponto, já sabem que vem muita chuva. Ou seja, muita coisa já está sendo feita nos territórios. E esse tipo de experiência precisa ser levado em conta. 

Qual é o papel da articulação entre diferentes esferas de governo nesse processo?

Jerlan Alves: Tem que haver coordenação entre os níveis municipal, estadual e federal. Se temos Defesa Civil, Cemaden, secretarias estaduais e municipais, essas instâncias precisam atuar de forma articulada. Não faz sentido existir um plano de adaptação climática local que não dialogue com o estadual, nem com o nacional.

Também é essencial garantir que esses instrumentos de política pública sejam perenes. Os governos mudam, é da natureza da democracia, mas as políticas precisam continuar. Elas devem ser eficientes, atualizadas, adaptáveis. Não adianta termos planos no papel se eles não forem executados, avaliados, revisitados, certificados. Só assim eles poderão realmente responder aos desafios das mudanças climáticas de forma justa e eficaz.

Considerando que cada território tem suas particularidades, mobilizar significa também lidar com dinâmicas culturais, sociais e afetivas diversas. Como o NOSSAS desenvolvem metodologias que respeitam essa complexidade local, evitando impor soluções externas ou aplicar modelos padronizados?

Jerlan Alves: O primeiro ponto, que pode parecer óbvio, mas é fundamental, é não se distanciar da realidade concreta da cidade. Sempre apostamos muito na construção coletiva. Talvez por isso o NOSSAS seja uma organização tão bem quista. As pessoas sabem que podem contar conosco. Gostamos de pensar coletivamente em soluções para os problemas e nem sempre essas soluções vêm em forma de campanha.

Às vezes, surgem como ferramentas específicas, como foi o caso do Mapa do Acolhimento, uma plataforma que conecta mulheres vítimas de violência doméstica a advogadas e psicólogas voluntárias dispostas a ajudá-las. Essa ferramenta surgiu justamente da escuta de uma necessidade urgente e do desejo de criar uma solução comunitária, criativa e sensível para canalizar essa demanda.

Se, por exemplo, a pauta for sobre o aumento da passagem de ônibus, ou sobre um projeto de lei que propõe a criação de um plano de adaptação climática local, nossa primeira tarefa é conversar com quem já atua nessa área, com quem está envolvido no território. É essencial garantir que esse projeto incorpore recomendações e seja construído de forma participativa, com incidência direta da sociedade civil. Assim, asseguramos que ele realmente se torne uma política pública adequada e não apenas uma proposta fabricada de forma artificial, criada para virar estatística ou para compor o portfólio de entregas de um parlamentar ou gestor.

Como equilibrar campanhas de impacto rápido com ações de incidência institucional mais longa? E que estratégias ajudam a garantir a continuidade das mobilizações além do calor de uma campanha?

Jerlan Alves: Campanhas vão muito além de abaixo-assinados virtuais ou páginas simples para coleta de nomes e e-mails. O que buscamos é a transição do engajamento online para ações concretas no mundo offline. Por exemplo, em uma campanha no Rio de Janeiro, 10 mil pessoas assinaram um pedido para transformar o antigo DOPS em um centro de memória de Direitos Humanos. O desafio é mostrar a essas pessoas como exercer pressão presencialmente, seja estendendo faixas na rua, promovendo flashmobs, participando de aulas públicas ou de eventos, levando a mobilização para além do ambiente digital.

Reconhecemos que as possibilidades de participação variam conforme a disponibilidade e energia de cada pessoa. Nem todos podem comparecer a manifestações, mas ainda assim podem contribuir compartilhando conteúdos, conversando com outras pessoas ou participando de reuniões online

Além das campanhas de curto prazo, também desenvolvemos projetos mais longos e estruturados, que envolvem formação de lideranças comunitárias, fortalecimento de influenciadores locais e integração de saberes coletivos. Esses projetos buscam construir bases sólidas para políticas públicas locais, como a elaboração de uma carta local que fomente ações específicas no território, garantindo um impacto mais duradouro e transformador.

Pode compartilhar algum projeto ou mobilização que tenha surpreendido você em termos do que a ação coletiva pode realmente alcançar? Quais foram os aprendizados inesperados e como esse processo impactou sua visão sobre o potencial da mobilização cidadã?

Jerlan Alves: Tenho uma campanha que sempre me traz boas lembranças que é a a mobilização durante as eleições presidenciais de 2022 para liberar o transporte público no segundo turno. Naquele momento, observamos um crescente aumento nas abstenções, especialmente preocupante para pessoas de baixa renda, que enfrentam custos elevados para chegar às zonas eleitorais. A campanha reuniu cerca de 60 organizações e tinha como foco pressionar prefeitos das capitais para oferecer transporte público gratuito no dia da votação. Em menos de uma semana, quase 90% dos prefeitos haviam aderido, criando um efeito dominó que garantiu o transporte livre para a maioria dos eleitores.

Foto: Acervo pessoal

Após essa conquista inicial, o movimento avançou para a liberação do transporte intermunicipal, ampliando a pressão para os governadores, especialmente em regiões metropolitanas onde o custo para votar é ainda maior. A campanha ganhou adesão em várias cidades e estados. Além do impacto imediato nas eleições, a mobilização também fomentou debates sobre mobilidade urbana e transporte público gratuito. 

Em São Paulo, por exemplo, o prefeito colocou o ônibus gratuito aos domingos, enquanto em Belo Horizonte a discussão sobre tarifa zero está avançando, com um projeto de lei em fase final de aprovação que pode tornar a cidade pioneira na implementação dessa política em todos os dias da semana. Essa campanha foi um divisor de águas, uma ação que desencadeou uma série de outras iniciativas e criou um movimento crescente em prol do transporte público gratuito. 

Então, a campanha teve como foco o conceito de direito à cidade.

Jerlan Alves: Sim. No dia da votação, contratamos uma equipe para captar imagens em várias cidades do Brasil porque queríamos que o dia fosse mais do que simplesmente votar, fosse também uma celebração do direito à cidade. O direito à cidade é poder acessar o lazer, a cultura e usufruir dos espaços públicos de forma plena.

Para reforçar essa ideia, criamos cartazes com a pergunta “Domingo é dia de quê?”, oferecendo cinco respostas possíveis: dia de votar, dia de ir à praia de graça, dia de ir ao cinema de graça, dia de visitar os amigos e tomar uma cerveja de graça, ou “todas as anteriores”. A mensagem era clara: queríamos que as pessoas aproveitassem o domingo para fazer o que quisessem, desfrutando da cidade sem gastar, com transporte gratuito, porque isso é algo básico e essencial para garantir acesso e inclusão.

Com as ações do NOSSAS, o que é necessário para tornar essas ações algo de grande escala, algo replicável? Essa tarifa zero é uma boa iniciativa para ilustrar, mas existem outros planos?

Jerlan Alves: Nosso sonho, que sempre foi a essência da organização, é construir cidades mais justas, inclusivas, sustentáveis e com maior engajamento cívico. Queremos que as pessoas se sintam pertencentes aos seus territórios, porque quando isso acontece, elas passam a lutar pelo lugar onde vivem, seja ligando para o vereador para reclamar de uma rua esburacada ou pedindo melhorias no trânsito. Esse senso de pertencimento e ação local, por mais simples que pareça, é o que move meu trabalho e mantém viva a esperança por um futuro e uma cidade melhores.

É inegável que, às vezes, o cenário político pode desanimar, especialmente com discursos e ações equivocadas, mas é fundamental separar o que mina nossa vontade de participar daquilo que realmente podemos transformar. O que me inspira é ver o fortalecimento de pessoas com pensamento crítico, que se tornam mobilizadoras em suas comunidades, seja numa ONG, no condomínio ou no bairro. A participação não exige que todos acompanhem longas sessões na Câmara, mas que saibam quem são seus representantes, cobrem resultados e provoquem mudanças. Essa consciência e ação local têm grande poder de impacto.

E para quem quer começar a se engajar na transformação de sua cidade, por onde você recomenda começar?

Jerlan Alves: O primeiro passo é se informar sobre o básico e prestar atenção naquilo que realmente te indigna, pode ser o preço da passagem, a falta de merenda na escola, qualquer coisa que cause revolta. Essa indignação é importante e precisa ser canalizada de alguma forma, porque muitas vezes ela fica só naquele comentário rápido no grupo de WhatsApp ou na rede social, e aí perde força. Mas essa energia pode ser transformada em organização, em mobilização, provocando outras pessoas a entenderem que “isso aqui está errado e a gente precisa agir”.

A gente pode começar com algo simples, como fazer um abaixo-assinado, procurar um secretário, ir atrás de soluções e não precisa ser necessariamente com uma organização grande, pode ser em qualquer iniciativa que esteja aberta para isso. O importante é não deixar essa vontade de se indignar morrer, porque quando a indignação vira banalidade, a gente começa a aceitar que “é assim mesmo” e isso mina a possibilidade de mudança. 

Muitas vezes essas mudanças não vão ser estruturais, a gente não vai solucionar a educação ou implementar merenda orgânica em todas as escolas, mas a gente vai conseguir pequenas mudanças. E a gente precisa dessas vitórias.

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